Óperas não foram feitas para teatros comuns. Mas para casas de fachadas imponentes. Quase palácios. Também dá para dizer que, embora tenham surgido para agradar a nobres e plebeus, as encenações operísticas tornaram-se, gradativamente, a manifestação artística própria de uma parcela minoritária.

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É na contramão de tudo isso que o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos criou “Orfeu Mestiço – Uma Hip-Hópera brasileira”, espetáculo que estreia na sexta-feira. “Queria me apropriar desse universo justamente para dar conta da cultura da rua”, comenta a dramaturga e diretora Claudia Schapira. “Transformar esse formato grandiloquente e usá-lo para representar uma outra classe, que não a dominante.”

A cultura hip-hop sempre esteve no horizonte desse grupo, criado em 1999. Desde seu primeiro trabalho, a peça “Bartolomeu, O Que Será Que Nele Deu?”, o núcleo já lançava mão de figuras, como o DJ, e de elementos, como o break.

Agora, a tônica não é diversa. O hip-hop permanece no horizonte. E se junta a uma série de outras linguagens: ganha companhia do universo de primas-donas e tenores. Mas também matizes das culturas indígenas e africanas. “Montamos um terreiro eletrônico”, define a diretora, que se vale de diversos números musicais e convoca músicos e atores a ocuparem o palco.

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Tantas referências se movimentam para dar conta de um tema intrincado: a ditadura brasileira. Para a encenadora, de origem argentina, o Brasil ainda discute pouco os anos em que aqui vigorou o regime de exceção. “O brasileiro tem essa mentalidade conciliadora. Fala disso como se a ditadura não tivesse influenciado o presente. Essa ainda é uma fase nebulosa. Falta clareza sobre esse assunto”, acredita.

O personagem mítico Orfeu é convocado à cena para dar conta da história de um homem (interpretado por Eugênio Lima), que perdeu a mulher nos anos pós-AI-5. Desaparecida nos porões do Dops, ela pairou sobre ele como um fantasma. Apenas em 1998, ele recebe uma carta que dá pistas sobre o que teria acontecido. É convocado para reconhecer uma provável ossada de sua Eurídice. Tem início, a partir daí, uma vertiginosa e terrível viagem de volta ao passado.

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Assinado por Daniela Thomas, o cenário só reforça a aura de caleidoscópio pretendida pela dramaturgia não linear. Cortinas sobrepostas servem para embaralhar espaços e épocas distintas. E também cumprem a função de servir de telas para as muitas intervenções em vídeo que pontuam a montagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Orfeu Mestiço, Uma Hip-Hópera Brasileira – Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (R. Dr. Augusto de Mirada, 786). Tel. (011) 3803-9396. 6ª a dom., 20h. Contribuição voluntária. Até 4/12.