No mundo da música dita clássica, o repertório dos concertos gira em torno da produção do passado. Cabe perguntar por que ela não consegue sair do estado museológico com que é praticada, em rituais engessados nos quais a plateia pode no máximo aplaudir – e no momento certo. Como romper essas amarras e, apesar da distância histórica em que foi composta, fazer esta música nos tocar como se tivesse sido criada hoje?

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As respostas têm vindo da tribo dos que praticam a música historicamente informada. O norte-americano Bruce Haynes, que morreu em 2011, aos 68 anos, foi oboísta e musicólogo. E fez uma lista dos dogmas da vida musical que nos engessam: “Grande respeito pelos compositores, representado pelo culto aos gênios e à originalidade; reverência quase bíblica às ‘obras’ musicais; obsessão com as intenções originais do compositor; a prática de se ouvir música como um ritual; e o hábito de ouvir repetidamente um número limitado de obras”.

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Entre outros adoráveis pecados contra esses dogmas, Haynes “cometeu” o de compor mais meia dúzia de concertos de Brandemburgo. Isso é injetar vida à prática musical. É o que o público viu e curtiu muito, participando ativamente do espetáculo Mediterrâneo, na quarta-feira, dia 30, no Sesc Bom Retiro. Empunhando sua imponente teorba, Cristina Pluhar, nascida 55 anos atrás em Graz, na Áustria, comandou uma incrível noitada de música improvisada sobre canções, melodias e danças do século 17 de cidades que rodeiam o Mediterrâneo, como as italianas e a grega Salento.

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Foi a estreia no Brasil da Arpeggiata, grupo fundado em 2000 por Cristina em Paris. Uma hora e meia de música vivíssima, com ótimos improvisos de Francesco Turrisi ao cravo. Doron Sherwin pilotou um maravilhoso corneto – instrumento do Renascimento, com bocal de trompete e corpo de madeira como a flauta, com orifícios – de sonoridade aveludada e ao mesmo tempo brilhante. Os improvisos ao corneto foram particularmente impressionantes, assim como os do percussionista Sergey Saprychev.

Pelos nomes dos integrantes, vocês já perceberam que Arpeggiata é uma espécie de nações unidas reunidas por Cristina, que vem pinçando talentos no mundo inteiro. Desde a chacona inicial de Maurizio Cazzatti, o público foi seduzido por esta música ao mesmo tempo tão distante e tão próxima de nossos ouvidos. Deliciosos dialetos napolitanos e do sul da Itália frequentam as canções, que tiveram no contratenor Vincenzo Capezzuto e na soprano Céline Scheen intérpretes de primeira linha. E, cereja no bolo, a bailarina Anna Dego puxou até um espectador no final para uma frenética tarantela.

O melhor de tudo isso é que Arpeggiata faz no total quatro shows (sim, shows) em unidades do Sesc: nesta sexta, dia 2, no Bom Retiro; no sábado, 3, em Santos; e domingo, 4, em Sorocaba. Imperdível.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.