A atual situação brasileira incomoda e, ao mesmo tempo, incentiva o diretor Felipe Hirsch. Depois de marcar o início de sua carreira com espetáculos que buscavam resgatar o passado, agora ele mira o presente com um olhar muito crítico. Tal insatisfação criativa resultou em um dos mais importantes projetos cênicos dos últimos anos: Puzzle. As três primeiras partes (denominadas A, B e C) foram encenadas inicialmente em 2013, durante a Feira do Livro de Frankfurt, onde assombrou a crítica local. Agora, surge Puzzle (d), que estreia nesta sexta-feira, 13, no Sesc Vila Mariana, com idêntica ferocidade intelectual. “É uma nova apresentação literária e política do Brasil”, conta Hirsch.
Há quase cinco anos, o diretor iniciou o processo de mudança em sua trajetória que culminaria em Puzzle. “Naquela época, comecei a me identificar com a obra e as opiniões do chileno Roberto Bolaño, especialmente sua crítica severa ao ingresso de Paulo Coelho na Academia Brasileira de Letras e a distância que separa nossa literatura da latina.” Aos poucos, Felipe Hirsch enveredou para literatura nacional mais contemporânea e ali descobriu o eco para suas inquietações.
Assim, ao ser convidado para montar um espetáculo em Frankfurt em 2013, ano em que o Brasil foi homenageado, o encenador desenvolveu Puzzle a partir de 15 textos assinados por nomes como Amilcar Bettega Barbosa, André Sant’Anna, Bernardo Carvalho, Jorge Mautner, Juliana Frank, Juliano Garcia Pessanha, Paulo Leminski, Rodrigo Lacerda e Veronica Stigger. O tríptico surpreendeu a crítica alemã ao colocar em cena questões como a violência, o consumo desenfreado e até os protestos de rua. “As peças transmitem uma noção do estado mental brasileiro além dos clichês, e das muitas possibilidades da narração dramática contemporânea”, escreveu o crítico do jornal Frankfurter Allgemeine.
Puzzle tornou-se o espetáculo mais político já concebido por Felipe Hirsch, que utilizou a palavra como ponto de partida. Assim, a primeira parte, identificada como A, tratava de questões como os movimentos populares e a força das redes sociais. Já a B apresentava uma crítica severa, porém bem-humorada, sobre a ascensão da nova classe média paulistana e seu consumo desenfreado. Finalmente, a C falava sobre o ato de ler e escrever, sobre imaginação. O diretor pretende remontá-las ainda neste ano.
Puzzle (d) começa falando sobre os manifestos paulistanos, mas não os que hoje ocupam as ruas, e sim aquele assinado pelos modernistas da Semana de 22. “‘Somos Concretistas!’, já dizia o Movimento Antropofágico de Oswald de Andrade, antecipando o que seria dito anos depois pelos membros do Noigandres. Eram homens incríveis que pensaram uma arte brasileira genuína dentro de um contexto mundial”, diz o diretor.
O espetáculo, que dura apenas 60 minutos, expande-se nos assuntos, tratando ainda de pixadores e do movimento Mais Amor SP. Apoiado em um texto de Paulo Leminski, a peça trata ainda da inutilidade da arte em um mundo onde tudo tem que dar lucro. “Puzzle (d) segue sobre a solidão de nossa língua. Sobre o isolamento dos países da América Latina. Sobre o solipsismo dos seus poetas.”
Esse momento do espetáculo é particularmente caro ao encenador – Hirsch preparou uma minissérie para a Globo envolvendo apenas textos de escritores latinos, projeto ainda em fase de estudo na emissora. “Descobri escritores maravilhosos, que revelam um olhar pessoal e arguto sobre a situação desse lado do continente.”
Além dos escritores participantes desta quarta parte, o diretor decidiu incluir um convidado especial em cada apresentação, artistas que criarão cenas inéditas, sempre envolvidos no mesmo conceito. A lista abre com a cantora Cida Moreira. “Ela foi um ícone de um momento da história musical de São Paulo, os anos 1980, quando existiu o Lira Paulistana, local que se transformou em um caldeirão de novas ideias”, justifica Hirsch que, antes de cada apresentação, vai se reunir, quatro horas antes, com o convidado a fim de acertar sua participação.
O elenco, formado por Georgette Fadel, Luiz Paetöw, Magali Biff, Guilherme Weber, Luna Martinelli e o argentino Javier Drolas, além de atuar, também executa músicas ao vivo, como as múltiplas sonoridades oferecidas por Klavibm II, de Rogério Duprat. E o cenário, formado por tinta e papel, é de Daniela Thomas e Felipe Tassara. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.