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Em ‘O Segredo da Câmara Escura’, Kiyshi Kurosawa retoma o suspense

Sessão lotada de cinéfilos na primeira apresentação de O Segredo da Câmara Escura na Mostra. Afinal, dizia-se, era o retorno de Kiyoshi Kurosawa ao cinema de gênero. Para quem não sabia nada do novo trabalho do diretor japonês, a primeira surpresa: trata-se de uma produção franco-belga, falada em francês e interpretada por elenco francófono.

Segunda: menos que terror convencional, trata-se de suspense psicológico, com traços hipotéticos de sobrenatural, uma história de fantasmas à antiga que não deixa de dialogar com o modelo hitchcockiano. Com tudo isso, o filme está longe de decepcionar. Em especial, pela maneira como é construído pela direção, o modo de escorregar de maneira lenta do realismo para uma dimensão mais irrealista, em que o fantástico se insinua pelas frestas abertas na racionalidade.

O que temos, de início, já é uma situação um tanto fora do esquadro, por assim dizer. Jean (Tahar Rahim) é um jovem em busca de emprego que tenta uma vaga de auxiliar com um fotógrafo famoso. Este, Stéphane (Olivier Gourmet), mora numa casa enorme, retirada e rodeada de jardins. Sabe-se que sua mulher morreu e ele vive com a filha única, Marie (Constance Rousseau), que também lhe serve de modelo.

Stéphane fez sucesso como fotógrafo de moda, mas há anos empenha-se num projeto retrô: registrar imagens à maneira dos antigos daguerreótipos, imprimindo-as em chapas de prata. É, para ele, uma volta à verdadeira fotografia, aquela que capta a alma das pessoas, em vez de imprimir apenas a sua superfície, como as modernas câmeras digitais.

Estamos nesse ambiente retrô. A casa é antiga, enorme, tem escadarias e range. Ocasionalmente, nessas escadas aparece um vulto furtivo de mulher. O fotógrafo opera no porão, com seus dispositivos antiquados. Sente-se, nele, a febre do fanatismo, como se perseguisse algo além das imagens, além do visto, além do sentido.

Deve-se dizer também que o filme se coloca na interseção entre o mundo antigo e o contemporâneo. Se de um lado há um artista atormentado pela morte da mulher e que faz da sua arte algo de transcendente, por outro, há o materialista mundo contemporâneo com um corretor de imóveis tentando fazer com que ele venda a propriedade para nela construir um condomínio.

Deve-se também acrescentar, em favor de Kurosawa, que atinge o clima irrealista que, por momentos, mostra um diálogo fértil com o Hitchcock de Um Corpo que Cai. A ideia da perseguição da imagem ideal de mulher predomina em alguns momentos. E, se o espectador conceder, mesmo alguns momentos sobrenaturais podem ser explicados pela condição de excitação mental dos personagens, levados por sua paixão à violência e ao crime. Não se desculpam, porém, certas inconsistências de roteiro, que deixam a história nas bordas do inverossímil. Quando isso acontece, o espectador “desce” do filme, embora tenha, anteriormente, aceitado as hipóteses narrativas, inclusive as do fantástico e do sobrenatural.

Com esses detalhes contra, O Segredo da Câmara Escura não deixa de ser uma estranha meditação sobre a memória, a morte e a permanência. Do ponto de vista visual, o filme é estupendo, com sua beleza estranha e envolvente.

Para contrapor a morte irreal de O Segredo da Câmara Escura, a outra sugestão é a morte bem real em Curumim, documentário brasileiro de Marcos Prado. Trata-se da história de Marco Archer, o “Curumim”, preso e executado na Indonésia por tráfico de drogas.

O filme é impressionante e não tem obtido a repercussão merecida talvez por causa do seu tema e personagem. Deve-se dizer que o diretor, se toma partido de Archer, o faz apenas para denunciar a barbárie da pena capital. Em nenhum momento, pretende endeusar o personagem nem desculpá-lo por seu crime. Aliás, o próprio Archer confessa que errou feio e apenas pede uma oportunidade de se redimir. Que não lhe foi dada, afinal, sendo executado por um pelotão de fuzilamento em 2015, na Indonésia.

O filme retraça a trajetória de alguém que destruiu a própria vida. Originário de classe social privilegiada, foi o típico playboy carioca dos anos dourados, adepto de esportes radicais – teve um acidente quase fatal com um parapent. Quando o dinheiro falta, as drogas são meio rápido para consegui-lo. E, quanto mais arriscada a jogada, mais rentável ela é. A ponto de Marcos tentar entrar em Jacarta com alguns quilos de cocaína na armação de sua asa-delta. Descoberto, conseguiu fugir do aeroporto, mas foi capturado dias depois. Ele próprio conta a história e mostra seu cotidiano, através de uma câmera introduzida na prisão. Filme duro, necessário, de advertência, porém também de compaixão.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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