No Cine PE, onde O Amuleto concorreu e não levou nada, o diretor Jeferson De já tivera uma amostra das dificuldades que seu filme poderia encontrar. É um filme de gênero, que se assume como tal e busca um espaço no mercado. Mas Jeferson é negro e dele se exige que seja ‘social’. A pergunta recorrente no Recife – por que o Spike Lee brasileiro foi fazer um filme com gente loira de olho azul em Santa Catarina? Pode-se argumentar que, querendo fugir de um estereótipo – o filme de favela -, Jeferson De caiu em outro, o terror cheio de clichês, e malfeito, segundo boa parte da crítica reunida no Recife. E se o interesse de O Amuleto estiver justamente em suas limitações?
No Recife, Jeferson De falou que só conheceu o racismo, paradoxalmente, na USP. Não é que o hostilizassem por ser negro, mas ele não era visto como igual. Era o ‘diferente’. O diferente virou diretor. Criou o Dogma Feijoada, fez filmes como Carolina e Bróder. Até aí, tudo bem. A crítica de esquerda colou-lhe a etiqueta de Spike Lee brasileiro, Jeferson De tornou-se um dos ‘nossos’, com seu cinema social. É verdade que Bróder teve mais prestígio (de crítica) que bilheteria. É verdade, também, que o diferente ficou ‘rebelde’. A Spike Lee, ele agora prefere Antoine Fuqua. Diretor de policiais com Denzel Washington, Fuqua não se reduz ao gueto. Fez o épico Arthur e O Protetor, que poderiam lhe valer o rótulo de ‘Eisenstein hollywoodiano’. “Falar sobre periferia era urgente tempos atrás. O problema é que, hoje, ainda aguardam da gente essa coisa social”, avisa.
O social até está disseminado em O Amuleto, mas Jeferson De arrisca tudo. Seu terror é solar, diurno. Passa-se quase todo numa floresta, onde, no passado, duas bruxas foram queimadas vivas e, hoje, um grupo de jovens vai sendo dizimado. Bruxa de Blair? A polícia investiga. Quem, ou o que, matou?
As duas épocas juntam-se por meio do amuleto, o enigma só se esclarece no fim. Digamos que, sim, O Amuleto tem problemas sérios. Passam pelo elenco. Os personagens são clichês – a loira burra, o surfista burro. Bruna Linzmeyer é bonita, Maria Fernanda Cândido, como a mãe, é um desastre. Do elenco, salva-se a atriz que faz a assistente do delegado, e que será peça importante na solução da trama. Se o espectador estiver se preocupando em seguir as (nada) ‘grandes’ atuações de Bruna e Maria Fernanda vai perder o que o filme tem de mais interessante.
É que a delegacia vai se sobrepor à floresta. E, nessa, a forma de filmar a vegetação vai criar armadilhas visuais, como se todos os personagens estivessem no limbo, presos num tempo particular. Já que a luz, muito forte, elimina as sombras ameaçadoras, o medo – ou o clima, pelo menos – vem de um elemento que também vira personagem, a trilha. Muita gente já assinalou certa similaridade de O Amuleto com Isolados, outro experimento de terror passado na floresta. O filme com Bruno Gagliasso foi tratado a pontapés pela crítica. O plano-sequência do começo foi um dos mais elaborados (e climáticos) da história do cinema brasileiro. Quantos críticos e espectadores notaram? E se o defeito de O Amuleto estiver nessa recusa de ‘abrasileirar’ o terror, que é o que todo mundo, de Ivan Cardoso a José Mojica Marins, de Rodrigo Aragão a Marco Dutra (e Juliana Rojas) tenta fazer? É a grande queixa de Jeferson De – a questão racial tem sido intensa e precedido qualquer debate sobre o filme. Não é só que o filme seja ruim (uma circunstância). É que um diretor negro, que não veio da favela, tenha feito um filme de loiros.