Em novo longa, Yoji Yamada faz homenagem a Yasujiro Ozu

Há um culto a Yasujiro Ozu, o grande diretor japonês que morreu em 12 de dezembro de 1963, mesmo dia em que estaria completando 60 anos. São, portanto, 50 anos da morte de Ozu. Wim Wenders e, antes dele, Jean-Luc Godard foram – são – oficiantes do culto, mas em toda parte onde existem cinéfilos Ozu é sempre objeto de admiração. Na sua grande fase, após a 2.ª Guerra, ele filmou sempre no mesmo estúdio (Daiei), com a mesma equipe. Construiu variações sobre o mesmo tema – as transformações da família tradicional japonesa. E, a cada filme, tornava-se mais conciso, mais minimalista. Menos, no caso de Ozu, é mais.

Por que falar de Ozu, se o filme que estreia nesta sexta-feira, 07, é de Yoji Yamada? Pelo simples motivo de que Uma Família em Tóquio, de Yamada, se não é propriamente um remake de Era Uma Vez em Tóquio – também conhecido como Viagem a Tóquio -, é inspirado no filme antigo. A homenagem de um grande diretor a outro, maior ainda. E, agora, é tempo de falar de Yamada. Aos 83 anos, ele tem sido uma presença frequente no Festival de Berlim. Quando não vai, envia os filmes – Uma Família em Tóquio, no ano passado; The Little House, neste ano. Como o centenário Manoel de Oliveira ou o nonagenário Alain Resnais – cujo novo filme, Amar, Beber e Cantar, participa da competição de Berlim, iniciada ontem -, Yamada também decidiu se poupar. É mais importante, para ele, filmar do que participar da mundanidade dos festivais. E Yamada é um caso único na história do cinema.

Pense em James Bond – 20 e tantos filmes e quase tantos diretores se revezando para contar histórias do agente mais famoso do cinema. A série de Yamada – É Triste Ser Homem – é a mais longeva do cinema. São mais de 30 filmes, todos com o mesmo ator (que morreu, e por isso acabou). De onde ele tirou fôlego paras contar tantas histórias com o mesmo personagem? “Da observação da vida”, Yamada respondeu numa entrevista, anos atrás, ao jornal O Estado de S.Paulo. E essas observações também lhe permitiram acompanhar – e documentar – as mudanças ocorridas na sociedade japonesa nas últimas décadas.

Uma Família em Tóquio começa com a câmera ligeiramente baixa, filmando os personagens em contraplongé, como Ozu gostava de fazer. O mestre zen gostava de olhar o mundo sem pressa. O ponto de partida é o mesmo de Ozu em Era Uma Vez em Tóquio. Casal de velhos deixa sua cidade e vai visitar os filhos na capital. Mais até do que no filme de Ozu, os de Yamada não têm tempo para eles, imersos em seus compromissos e no ritmo da megalópole. É caro viver em Tóquio, reflete o pai. E ele também diz que os filhos decepcionam os pais. Os filhos, por sua vez, não têm paciência com os velhos. Cria-se, assim, um abismo. Os filhos, em Uma Família em Tóquio, despacham os velhos para um hotel de luxo – para mantê-los ocupados e distantes. Nem todos – para toda a família, o mais jovem é um pouco a ovelha negra. Não é. Ele pode não saber o que quer, mas sabe o que não quer. E, aqui, Uma Família em Tóquio fica parecido com outro filme japonês recente, de outro discípulo (mais jovem) de Ozu, Hirokazu Kore-eda. Toda a arquitetura dramática de Pais e Filhos é para humanizar o executivo que, no começo, não tem tempo para a família.

Muita coisa em Uma Família em Tóquio parece a mesma de Viagem a Tóquio, e você agora vai comparar os dois. Porque, na sequência do filme de Yamada, na sexta que vem, na mesma sala – Cinesesc -, estará reestreando o de Ozu, em cópia restaurada. Ambos estão sendo trazidos ao Brasil pela distribuidora Esfera. Tudo parecido, e ao mesmo tempo diferente. Não é só a cor nem a paisagem. A Tóquio de hoje mudou muito em relação aos anos 1950. A diferença maior é de tom. Na sua economia, Ozu foi ficando cada vez mais contemplativo e estilizado. Os críticos dizem – metafísico. Yamada parece, comparativamente, mais banal. Mas as pessoas fingem se esquecer que a origem de Ozu foi a comédia americana dos anos 1930, que ele adorava. Aquelas comédias de George Cukor, Gregory LaCava, Howard Hawks também eram estilizadas, e por isso resistiram tão bem.

Yamada-san, ou Yamada-sensei, porque ele merece o tratamento reverente, tem o filtro da própria experiência. Lá atrás, na origem, a série É Triste Ser Homem bebeu na fonte do neorrealismo. E, mesmo desigual – 30 filmes! -, muitos são grandes. Abandonados à própria sorte em Tóquio, o pai busca amigo cujo filho é bem-sucedido, mas as coisas não são bem assim. A mãe vai à casa do filho pródigo, e volta transformada. O pai também fará suas descoberta, mas é bom não entrar em detalhes. Ozu era mais ‘conformista’, mas não se tome a palavra no sentido pejorativo. No seu cinema, mesmo quando se revoltam, a luta dos personagens é para se adaptar à conformidade das coisas. Yamada é mais dinâmico, e não só na abordagem social. Seu filme tem um charme obsoleto – algumas coisas são propositalmente ‘datadas’ para homenagear Ozu. É um belíssimo filme, tão grande quanto o de Ozu. Dois artistas, duas épocas, duas concepções. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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