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Em ‘Mal dos Trópicos’, seu disco mais brasileiro, Thiago Pethit reflete o País

Thiago Pethit é um artista cuja obra vem impregnada do seu tempo hoje. Isso não significa que ela se tornará datada. Pethit capta o que está ao seu redor e ergue um trabalho que, mesmo carregado de percepções do agora, ganha uma linguagem ousada e atemporal. Em seu 4.º disco autoral, Mal dos Trópicos (Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação), com 9 faixas (atos), o cantor e compositor paulistano consolida essa vocação. Mesclando música clássica, elementos da canção brasileira e referências a arquétipos mitológicos, ele criou uma epopeia soturna, um registro no extremo oposto do solar Rock’n’Roll Sugar Darling, seu disco anterior, de 2014. Ali, Pethit fazia sua releitura do rock, para falar de amor, afeto, sexo e transgressão.

“Acho que meus trabalhos todos, desde 2010, por mais que pareçam universos fechados em si, ou que pareçam muito diferentes uns dos outros, são como um retrato meu diante de um momento – e aí não estou falando só de mim, mas de um momento do mundo. Acho que eles até inconscientemente são respostas um ao outro. Me dei conta disso agora, no 4.º disco, de que existe um movimento que acabo fazendo sem querer, como se eu sempre tivesse um disco mais iluminado, e depois mais soturno”, analisa Pethit.

“Em 2014, eu era esse arquétipo do Orfeu do carnaval/rock’n’roll. Eu não estava falando de samba, mas de uma experiência dionisíaca, o rock’n’roll como uma experiência libidinosa, libertadora, provocadora, sexual. Era um momento muito de celebração, tanto pessoal como da minha carreira, de onde eu tinha chegado, e ao mesmo tempo uma celebração de coisas que estavam acontecendo à minha volta, que tinha muito a ver com as lutas das minorias, com as pautas de gênero e sexualidade, todas estavam ganhando, a trancos e barrancos, destaque. De 2014 para cá, acho que o retrato mudou muito. No Brasil, o que aconteceu nesses 5 anos são retratos quase opostos. Vivemos um turbilhão de acontecimentos, que são fundamentais para entender esse lugar soturno e essa sonoridade, dessa questão da música mais clássica, de uma grandiosidade, algo mais épico.”

Em Rock’n’Roll Sugar Darling, a estética era on the road; em Mal dos Trópicos, o músico volta a se fixar no cenário urbano. “É um disco assentado, que se passa no centro de São Paulo. Sinto que olho não só para dentro de mim, mas para dentro do Brasil, para dentro de São Paulo, e acho que isso também é um reflexo deste momento. A escolha do olhar para dentro é uma coisa muito de períodos de crise, tanto social quanto pessoal, são períodos em que a gente é obrigado a olhar para dentro. Acho que não é à toa que faço um disco brasileiro neste momento.”

A faixa Rio foi a primeira que Pethit compôs, ele conta. E a canção vem numa inesperada levada bossa nova. “Pensei: O que me deu? Por que estou escrevendo bossa nova nessa altura do campeonato? (risos). Achei que era só um exercício de composição.” Mal dos Trópicos acabou se tornando um álbum de música brasileira à la Pethit, e essa canção entrou no repertório do novo trabalho. “É meu disco mais brasileiro de um jeito muito torto. É o mais brasileiro, porque acho que é meu primeiro disco em que toco em questões culturais brasileiras, brinco com bossa nova, tem samba. Mas é uma brasilidade do mal dos trópicos, que é a sombra dos trópicos”, explica o músico, que, dessa forma, desconstrói clichês ligados à imagem do Brasil, como o do país da alegria.

E seu carnaval tem um quê de melancólico até. Abre-Alas (parceria com Diogo Strausz, produtor do álbum) – que não por acaso abre o disco – começa como uma abertura de ópera e, com cordas e sopros, ganha clima eloquente e poucos versos tristes: “Volto, volto, volto/ Chego num carro naval/Volto, luto e choro em pleno carnaval/Volto, volto, volto/Eu que sou filho do Sol/Volto, luto e choro em pleno carnaval”.

Na sequência, Noite Vazia, outra parceria com Diogo, traz à tona referências da mitologia para falar das dores do amor, com um belo arranjo de cordas. Em Orfeu, ele brinca com tempo e espaço, ao situar essa figura mitológica grega, exímio poeta, no cenário paulistano contemporâneo, em meio a uma atmosfera sonora que transporta a eras longínquas recriadas pelo piano de armário de Zé Manoel. Quase um lamento, Nature Boy (de Eden Abhez), com Pethit cantando à capella e seguido por um coro, é a única faixa em que ele canta em inglês – e é também a única que não é de sua autoria.

Na dramática Mal dos Trópicos (assinada com Liana Padilha e Roberto Piva), ele quer “ver o fogo pegar samba”. A epopeia de Pethit termina em Samba de Orfeu – Mal dos Trópicos, numa mistura da cadência do samba, com violinos, viola, cellos, clarinete, trombones, trompetes, entre outros sopros, conduzindo para um grand finale carnavalesco. E, apesar de todas as sombras que permeiam o trabalho, a música expõe o lado otimista de Pethit. “A gente tem de acreditar, o próprio disco termina estranhamente num lugar ensolarado, um solar noturno, mas solar”, diz. “Acho que a gente também tem de olhar em volta e entender que temos um representante catastrófico, mas temos a Pabllo Vittar como uma artista mainstream, por exemplo. Acho que, no fundo, é isso a questão do mal dos trópicos: se tem toda essa sombra é porque tem alguma luz.”

THIAGO PETHIT

‘MAL DOS TRÓPICOS’

INDEPENDENTE; R$ 25

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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