Em Frankfurt, Paulo Coelho condena mercado mundial

O escritor Paulo Coelho foi o grande nome do primeiro dia da Feira do Livro de Frankfurt, na tarde dessa quarta-feira, 9. Não pelos pedidos de fotos e autógrafos, aos quais já está acostumado, mas pelo seu discurso explosivo: diante de 200 pessoas, entre jornalistas, escritores e editores de várias artes do mundo, ele criticou o mercado editorial justamente no maior evento da indústria do livro do planeta. “Cutuquei o leão em sua jaula, não?”, comentou ao jornal o Estado de S.Paulo depois de sua fala. “Mas, foi um alerta: ou eles se adaptam aos novos tempos ou não sobreviverão como estão hoje.”

Coelho foi convidado pelo diretor da feira, Jürgen Boos, que, ressentido com sua ausência na edição do ano passado, justamente quando o Brasil foi o país homenageado (o assunto rendeu mais comentários ácidos, que você poderá ler mais abaixo), telefonou para o escritor e o colocou no panteão das honras.

Assim, com as honras da casa garantida, Boos manteria uma conversa de 45 minutos com Coelho, período em que tratariam do futuro da leitura. O dirigente alemão esperava, por certo, uma charla literária, mas o escritor brasileiro, que agora comemora a fantástica marca de 165 milhões de livros vendidos em todo o mundo, preferiu um caminho mais tortuoso. “São duas as grandes razões que fazem alguém ler:a busca de entretenimento e a de conhecimento”, afirmou. “Mas, no mundo tecnológico em que vivemos, esse leitor não necessita mais da cadeia intermediária entre ele e o conteúdo. Assim, editores, distribuidores e livreiros tornam-se, muitas vezes, dispensáveis para esse leitor, pois encarecem o produto.”

Como exemplo, ele citou um livro hipotético que custasse US$ 20 – em alguns sites, a mesma obra, no formato digital sairia por US$ 0,99. “Isso se não for pirateado, o que não custaria nada para esse leitor”, comentou Coelho que, numa medida arrojada e corajosa, há alguns anos liberou seus livros gratuitamente na internet, o que ainda acontece hoje – menos nos EUA. “E, nem por isso, minhas vendas caíram. Aliás, um livro que sai a US$ 0,99 vende até dez vezes mais que o por US$ 20, o que, no final das contas, sai mais lucrativo.”

À medida que ouvia, Jürgen Boos buscava manter a fleuma, mas não conseguia disfarçar sua incredulidade, pois, no momento, o mercado alemão trava uma guerra contra a Amazon que, na terça-feira, anunciou, momentos antes da abertura da Feira, o lançamento de uma tarifa única pela qual os usuários alemães poderão ter acesso a 650 mil títulos (dos quais, 40 mil em alemão) em troca de uma mensalidade de 9,99 euros. Com isso, os comentários de Coelho soavam como um incômodo vaticínio.

Curiosamente, terminada a palestra, o escritor foi surpreendido pela presença de um representante da Amazon, que foi felicitá-lo. Depois de conversarem reservadamente, Coelho disse que seu discurso seria reproduzido para todos os cardeais da companhia americana. “E olha que nem citei a Amazon na conversa.”

“Não acredito no fim do livro em papel”, disse o brasileiro. “Acredito no poder de uma boa história, seja em livro tradicional, digital, cinema, qualquer ferramenta. É esse o caminho que se conquista leitores. Quando comecei a escrever no Brasil, não pensava em ficar rico, mas em compartilhar minhas emoções com um público. Eu expressava a minha alma. É essa verdade do autor, logo identificada pelo leitor, que transforma a obra em best-seller.”

“Ele deixou todo mundo em choque”, comentou Ruth Geiger, da editora Diogenes, que publica a obra de Coelho na Alemanha. “Ninguém esperava que fosse falar algo assim.”

“Meu editor alemão me disse que queria tapar os livros”, divertiu-se o escritor, em conversa com o Estado. “Mas, eu tinha que dizer aquilo. Estou tranquilo e, com exceção de duas obras que não foram bem de vendas, eu quase dobrei o total de livros comercializados em seis anos”. Segundo suas contas, em 2006, a soma chegava a 100 milhões de exemplares e, até junho deste ano, a cifra atingiu 165 milhões. “Está tudo auditado.”

E a pirataria, garante, continua não o incomodando. “Hoje (ontem) vi pela primeira vez meu livro em árabe, que sai na Síria e certamente será pirateado em papel em todo o mundo árabe”, conta. “Isso acontece porque a edição libanesa é caríssima para o leitor daquela região. E, na internet, nem tenho noção da quantidade, mas juro que não me incomodo. Só cheguei a ser Paulo Coelho por conta disso e não o contrário. Comecei a escrever para ser lido e continuo assim até hoje.”

Desde 2008, Paulo Coelho não voltava a Frankfurt. E a ausência mais sentida foi no ano passado, quando declarou abertamente sua crítica à curadoria da delegação brasileira ao compor a lista dos 70 escritores convidados. À época, Coelho reclamou da falta de nomes como Eduardo Spohr, autor de A Batalha do Apocalipse, livro que esteve entre os mais vendidos em 2010. Spohr, aliás, está agora em Frankfurt, na magra lista de cinco autores nacionais presentes à feira.

Curadoria

Alguma lição da atitude do ano passado? “Acompanho as notícias pelos jornais e percebi que todos criticaram a forma política de como foi organizada a participação brasileira nesse ano”, disse. “Uma curadoria ruim, confusa, e o resultado é que as coisas voltaram a ser exatamente como antes, mesmo com o imenso investimento feito no ano passado. Não houve a continuidade que se esperava ter.”

Karina Panza, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), discordou do escritor. “No ano passado, tivemos uma curadoria que foi soberana e cujos critérios não foram aceitos pelo Paulo”, disse. “Mesmo assim, tivemos um retorno considerável.”

Segundo levantamento feito pela CBL e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), que busca incentivar a exportação de conteúdo editorial, “as exportações de conteúdo de direitos autorais somadas às vendas de livros impressos evoluíram de US$ 410 mil em 2012 para US$ 750 mil em 2013, um crescimento de 82%”. E as editoras participantes do Brazilian Publishers exportaram em 2013 US$ 2,95 milhões, incluindo venda de direitos autorais e exportação de livros físicos (aumento de 11% frente ao montante de US$ 2,65 milhões em 2012).

“Por conta disso, mostramos que o trabalho é correto e frutifica”, comentou Karina. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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