Ana Paula Arósio contracena com
Fábio Assunção em novela de época.

Ana Paula Arósio acredita que tem mesmo “cara de personagem de época”. Só assim ela consegue explicar por que, em dez anos de carreira, só foi chamada para interpretar tipos do passado. Desde os tempos do Teleteatro do SBT, são sete produções, entre novelas e minisséries, fora as peças de teatro, todas ambientadas em algum tempo pregresso. “Sem querer, acabo incorporando hábitos do passado. Às vezes, eu me pego até meio ?mocinha de época?!”, conta, aos risos, a intérprete de Yolanda Penteado, protagonista da minissérie Um Só Coração, uma nova heroína na galeria da atriz, de 28 anos.

Com os olhos vivos e os traços irretocáveis de Arósio, a personagem é uma versão romanceada da verdadeira Yolanda Penteado – mulher da alta sociedade paulistana que, ao lado de Ciccillo Matarazzo, criou a Bienal e o Museu de Arte Moderna de São Paulo. Segundo Maria Adelaide Amaral, autora de Um Só Coração, Yolanda viveu uma vida de folhetim, cercada de gente ilustre – como o aviador Santos Dumont e o jornalista Assis Chateaubriand. Passou de “princesinha do café”, nos anos 20, a primeira-dama da cultura, na década de 50.

Não é a primeira vez que Ana Paula vai encarnar uma mulher que existiu de verdade. O mesmo aconteceu em Hilda Furacão, minissérie de Glória Perez que ela protagonizou em 1998. Guardados os exageros da ficção, a moça de família que vira prostituta no livro homônimo de Roberto Drummond viveu, de fato, na Belo Horizonte dos anos 50.

P – São oito trabalhos na televisão e oito personagens de época. Como você explica isso?

R – No início, achava que era simples coincidência, talvez porque o número de produções desse gênero tenha aumentado. Mas agora não sei… Acho que devo ter mesmo cara de época. Só pode ser! A verdade é que todo trabalho para o qual me chamam ou que me interessa fazer é assim. Até as peças de teatro! O lado bom é que aprendo muito nas pesquisas. E também me sinto prestando um serviço, levando informação para as pessoas. Afinal, muita coisa que é mostrada num trabalho de época não está nos livros didáticos. Sabe que algumas coisas eu acabo até incorporando para a minha vida? Às vezes, eu me pego meio “mocinha de época”, sentando bonitinho, essas coisas.

P – Gostaria de ter vivido num tempo passado?

R – Sim e não. Aquela época era mais romântica. As pessoas viviam mais em contato umas com as outras. Hoje em dia, nós só trabalhamos e xingamos os outros no trânsito. Essa é a nossa relação. Nesse aspecto, gostaria, sim, de viver naquele tempo. Mas prefiro a nossa liberdade de hoje, pelo menos no ponto de vista feminino. Tem momentos na minissérie que a gente sente o mundo esmagando as mulheres. É gostoso poder comparar com os dias atuais e valorizar essa nossa liberdade maravilhosa. A Yolanda, com certeza, iria gostar também.

P – E como foi compor a Yolanda Penteado?

R – Estudei vários recortes dela e aprendi muito. Até então, eu sabia apenas que havia existido uma mulher extraordinária, que tinha construído o Museu de Arte Moderna e feito a Bienal de São Paulo. Mas não sabia quem ela era e por que ela fez tudo isso. Só descobri ao estudar para a minissérie. A produção me forneceu bastante material. Li a biografia da Yolanda, uma edição da Vogue especial, toda sobre ela, e algumas coisas do Modernismo.

P – Mas não é complicado interpretar uma mulher que existiu de verdade?

R – Não temos a necessidade de reproduzir a semelhança física. O Manga me pediu para não fazer uma cópia do que seria a Yolanda Penteado. Então, estamos usando várias licenças poéticas, baseadas na personalidade dela. Foram muitas as adaptações e temos uma boa margem para brincar. Além disso, as próprias limitações de interpretar uma personagem de época acabam ajudando na composição.

P – A personagem passa por transformações ao longo da minissérie. Como será isso?

R – Eu começo com 20 anos e chego aos 50. Vou passar por um envelhecimento gradual, com mudanças no cabelo e na maquiagem. Mas tudo bem sutil. A Yolanda também muda de comportamento. Na juventude, ela é uma Síssi, uma princesinha do café. Vai crescendo aos poucos, à medida que se depara com as adversidades. Primeiro, enfrenta a autoridade da mãe, que a obriga a um casamento arranjado. É aí que percebe que tem de se adaptar à vida, e não o contrário. Só que a Yolanda nunca desiste da própria felicidade. Tanto que pede a separação do primeiro marido num tempo em que as mulheres traídas sofriam caladas. Mas ela não. Toda a história da Yolanda é assim, marcada por uma força extraordinária. Admiro muito isso.

P – Realmente, as suas personagens têm sempre uma personalidade forte…

R – Na verdade, eu não sei direito se os papéis vêm para mim porque são de mulheres fortes ou se sou eu que dou um jeito de eles ficarem fortes. Mas o fato é que gosto de personagens assim. E como sempre faço composições de época, essa força fica mais evidente ainda. Afinal, as mulheres do passado eram reprimidas e precisavam lutar muito pelos seus direitos e suas paixões. Eu me identifico com elas nesse aspecto. Não seria uma pessoa que ficaria conformada num casamento infeliz ou qualquer tipo de relação, pessoal ou profissional, que me fizesse mal.

P – Esta é a segunda minissérie escrita por Maria Adelaide Amaral que você protagoniza. Conhecer o estilo do autor facilita o trabalho?

R – O texto da Maria Adelaide em Um Só Coração está muito diferente do texto de Os Maias. Ela se recicla extraordinariamente de uma produção para a outra, mas apresenta sempre um trabalho elaborado e sutil. Para a gente é uma delícia explorar as intenções que ficam nas entrelinhas. É o que faz toda a diferença… Por isso, quando o Manga me ligou contando que ia fazer a minissérie da Adelaide eu nem deixei ele terminar de falar. Disse logo: “Me coloca dentro, por favor!”. Fui uma das atrizes que pediu para entrar na minissérie.

P – Um Só Coração se passa no mesmo período de Esperança, seu último trabalho na tevê…

R – É uma incrível coincidência. Mas o início do Século XX é mesmo uma época muito bonita de ser retratada. E dá para fazer isso com diferentes enfoques, como a Adelaide vem fazendo. A novela não mostrou o lado cultural e cosmopolita de São Paulo. Ficou mais nas bordas… Agora, com a minissérie, entramos mais fundo nos fatos históricos, nos grandes personagens da época e nos movimentos culturais.

P – Você adora montar a cavalo e não faltam cenas de montaria na minissérie. Sobrou alguma para a sua dublê?

R – Até agora não! A minha dublê até apareceu para as cenas de montaria. Mas, coitada, nem conseguiu chegar perto do cavalo! Fiz todas as cenas. Um dos cavalos que está na minissérie é meu. Um mangalarga paulista, todo marrom com a crina linda e loura. Como não estou conseguindo cavalgar no pouco tempo que me resta livre, tenho de aproveitar as gravações!

P – Como você lida com o assédio?

R – Tenho um pouco de saudade da tranqüilidade que tinha quando ninguém me conhecia. Mas essa exposição acaba viciando todo artista também. A gente acaba sentindo falta do assédio. De qualquer forma, quando estou cansada, eu me escondo num sítio que tenho no interior de São Paulo. É lá que eu ando a cavalo, ouço música e ponho a leitura em dia. De vez em quando, é preciso dar um tempo de tudo. E eu sei o momento certo para fazer isso.

P – É o tempo entre um trabalho e outro na tevê?

R – Também. Meu último trabalho foi Esperança, uma novela que foi muito difícil para todo mundo. Depois, eu precisava dar um tempo… Não é nem uma questão de desgastar a imagem. Preciso dar um tempo para mim mesma. Porque viver uma outra pessoa, com um outro cheiro, um outro sotaque, desgasta muito! E gosto de largar bem um personagem e esquecer dele antes de assimilar outro. Do contrário, eu não sei onde começa um e termina o outro. E eu preciso saber. Ou, então, eu piro!

Driblando os admiradores

Dona Claudete Arósio sabe muito bem o trabalho que dá criar uma filha bonita. Segundo a própria Ana Paula Arósio, sua mãe já passou por maus bocados por conta de admiradores audaciosos. Como a vez em que um empresário brasileiro teria oferecido uma fazenda a dona Claudete em troca de uma noite com Ana Paula. Ou as inúmeras bolsadas que ela já teve de distribuir para proteger o bumbum da filha, em festas promovidas por agências de modelos. Fora a ocasião em que um paulistano parou o trânsito para entregar um buquê de flores à beldade. “Acho que minha mãe ganhou muitos cabelos brancos por minha causa”, brinca a atriz.

Foi por pouco também que Ana Paula não virou um bibelô das arábias. Numa temporada no Japão, no início dos anos 90, mãe e filha foram abordadas por um sheik em Tóquio. Deslumbrado com a beleza da jovem, o milionário saudita perguntou a dona Claudete quanto custaria para ele comprar sua filha. Ana Paula só se deu conta de que não se tratava de apenas mais uma cantada quando o homem já havia multiplicado a oferta inicial. “Ele queria me comprar por alguns milhares de barris de petróleo e – imagina – por alguns camelos!”, surpreende-se.

Talvez o milionário fosse mais bem-sucedido se soubesse da predileção de Ana Paula por eqüinos. Ela conta que ainda morava com os pais em Interlagos, bairro da Zona Sul de São Paulo, quando viu, da janela do sobrado, um caminhão estacionando em frente de casa. Era um fã com um cavalo de presente. “Minha mãe penou para convencer o rapaz de que a horta do nosso quintal era pequena demais para criar o animal”, lembra a atriz, aos risos.

Escalada épica

Na primeira aparição de Ana Paula Arósio como atriz, em 1994, dava para antever que a moça seria um furacão. A pontinha na novela Éramos Seis, do SBT, foi sucedida por um papel maior em Razão de Viver e pela função de protagonista em Ossos do Barão, todas na mesma emissora. Com um detalhe: até então, ela só tinha feito um rápido curso de interpretação em São Paulo. “Na época, não tinha a mínima noção do que era ser atriz”, confessa.

A beleza de Ana Paula chamou a atenção do diretor Wolf Maia, que apostou nela para a personagem-título da minissérie Hilda Furacão -adaptação de Glória Perez para a obra de Roberto Drummond. Mas, ainda sob contrato com a emissora de Sílvio Santos, a atriz só foi liberada para trabalhar na Globo por três meses. Quando a minissérie estreou, em 1998, Ana Paula foi instantaneamente alçada ao posto de estrela. Mas teve de voltar para o SBT. “Foi um saco. Já não tinha motivação”, reconhece a atriz, que gravou quatro episódios do Teleteatro antes de assinar com a Globo.

Na nova emissora, Ana Paula só encarnou protagonistas. E todas de época, a exemplo de tudo que fez na televisão. Em 1999, como a Giuliana da novela Terra Nostra, de Benedito Ruy Barbosa, alcançou estrondoso sucesso ao lado de Thiago Lacerda. Em 2001, viveu a Maria Eduarda, da minissérie Os Maias, escrita por Maria Adelaide Amaral a partir da obra de Eça de Queiroz. E, no ano seguinte, encarnou sua primeira vilã – a judia Camille, de Esperança, outra novela de Benedito. “Não sei dizer se só me chamam para fazer personagens fortes ou se sou eu que as torno fortes. Mas gosto muito que seja assim”, analisa a atriz.

continua após a publicidade

continua após a publicidade