A classe teatral paranaense pode começar o aquecimento. O próximo Festival Brasileiro de Teatro, que acontece em Brasília, deve prestigiar as artes cênicas do Estado, na continuidade do projeto cuja semente foi plantada em 1999, em forma de mostra. De lá para cá, já foram homenageados a Bahia, Pernambuco e, este ano, Minas Gerais. Na realidade, o Paraná está concorrendo com o Rio Grande Sul, mas leva certa vantagem em função da respeitabilidade adquirida com os festivais de Curitiba e Londrina.
A se confirmar o Paraná como cena, produtor teatral e idealizador do festival, Sérgio Bacelar, deve percorrer Curitiba e o interior para pesquisar montagens de impacto e que cumpram o principal objetivo do festival: criar um painel diversificado, com vários gêneros de espetáculos, dando a possibilidade da divulgação cultural dos estados fora do eixo Rio-São Paulo e promovendo o enriquecimento da incipiente cena teatral brasiliense.
?Em Brasília, estamos trabalhando na formação de platéia. E o festival brasileiro está sendo importante porque também promove intercâmbio com a classe local, que acaba tendo um contato mais restrito com o eixo Rio-São Paulo?, diz Bacelar. De fato, mesmo em Curitiba, onde a cena teatral é bem mais ampla, é difícil existir o contato da classe e do público com produções de outros estados que não São Paulo ou Rio de Janeiro.
?Os moldes do festival fazem dele único no País, porque não apenas abre espaço para apresentações regionais fora dos limites geográficos, como também são promovidas oficinas comandadas por artistas de cada cena, o intercâmbio é ainda maior?, acredita o produtor.
Com o término das apresentações no último 11 de setembro, apenas um dos ciclos da Cena Mineira foi encerrado. Entre 15 e 30 de janeiro, serão promovidas quatro oficinas com profissionais conceituados no teatro de Minas Gerais, como Chico Pelúcio e Luiz Fernando Abreu. ?A intenção é direcionar as oficinas para profissionais que atuam no cenário brasiliense, permitindo a troca de experiências e conseqüente enriquecimento da cena local?, conclui Bacelar. O processo de seleção dos participantes terá a etapa de indicação e teste na formação dos grupos de estudo.
Espetáculos mineiros para todos os gostos
A Acusação estreou no festival. |
Na terceira edição do Festival Brasileiro, que aconteceu entre os dias 24 de agosto e 11 de setembro, a ?cena? da vez foi a mineira, com toda a sua riqueza cultural. Neste período, além da apresentação de sete espetáculos selecionados entre 76 indicados por 36 pessoas envolvidas com o teatro, foi realizada uma oficina de tambor, ministrada pelo músico Alexandre de Sena. O popular congado mineiro ganhou força nas mãos de 150 crianças e adolescentes carentes entre 12 e 18 anos, na projeção de outro braço do festival: a inclusão social.
Além das oficinas para membros de comunidades carentes de Brasília, que vivem basicamente na cidades satélites ao Plano Piloto, os preços para os espetáculos eram populares quando não, gratuitos. O preço máximo do ingresso foi R$ 6,00, o que ajudou a atrair uma média de 8 mil espectadores, considerado altamente positivo no cumprimento do objetivo de formação de platéia. ?É um desbravamento em ascendência teatral. Ainda é o começo, mas já estamos tendo resultados positivos, como a presença do público proveniente das cidades satélites?, diz o idealizador do projeto, Sérgio Bacelar.
O público realmente foi diversificado, especialmente na apresentação do espetáculo musical O homem que sabia português, no estacionamento do centro cultural da Caixa Econômica Federal, principal investidora do projeto. A comédia leve, que passou por Curitiba no distante ano de 1988, atraiu pessoas de todas as idades. O espetáculo Êh Boi!, com seus bonecos gigantes, arrastaram o público em locais alternativos como a Praça Lúcio Costa, a Feira da Ceilândia e a Torre de TV. A criançada, especialmente as da rede pública ou portadoras de deficiências, se deliciou com o infantil A Bolsa Amarela. No festival, se apresentaram ainda a comédia Concessa tecendo prosa, o lírico com um quê de denúncia social Lusco fusco ou tudo muito romântico, com direção de Eid Ribeiro e O homem da cabeça de papelão, uma crítica atroz à alienação por padrões imposto pela sociedade. No encerramento do festival, o marco foi a estréia nacional da peça A acusação, da premiada Ione de Medeiros. A temática que critica a burocracia e a opressão é inspirada em O processo, de Fraz Kafka. Para passar toda a reflexão sobre a máquina do poder, a aposta foi em um cenário vertical, fazendo as vezes do opressor. No palco, os personagens se duplicavam para atormentar a mente confusão do protagonista, Josef K.
Na análise do ?menu?, a confirmação da miscelânia de estilos, proposta no projeto inicial aprovado pela Caixa, que nesta edição rendeu R$ 400 mil através das leis de incentivo. O valor foi 50% maior do que do Festival Brasileiro anterior, que prestigiou a Cena Pernambucana. ?A expectativa é que com o crescimento da repercussão, o festival também cresça, com um maior número de espetáculos?, finaliza Bacelar.
Notas de opostos que se atraem
Quem acompanha de perto a cena teatral paranaense, certamente já ouviu falar na preparadora vocal Babaya. Esporadicamente, ela vem a Curitiba ministrar cursos, geralmente vinculando o seu nome ao Ateliê de Criação Teatral (ACT), comandado por Luís Melo e Nena Inoue. Com a transmissão de seus conhecimentos na área vocal, Babaya acaba sempre trazendo um quê da cena teatral mineira para Curitiba, já que reside em Belo Horizonte.
Quem esteve em Brasília no último final de semana, acompanhando a apresentação do musical O homem que sabia português, parte do Festival Brasileiro Cena Mineira, pôde sentir na apresentação do espetáculo dirigido por Chico Pelúcio o dedo de Babaya. É bem verdade que o trio formado por Maurício Tizumba, Marina Machado e Regina Spósito tem experiência de sobra na área musical. Mas a preparação da voz vinculada à opereta cantada pela turma, que se movimenta bastante todo o tempo é excepcional. Em um espetáculo de uma hora, os personagens Cráudia (Marina Machado), Lígia (Regina Spósito) e Professor Barreto e Adilson, interpretados por Tizumba, cantam, dançam e transmitem emoções, na história da confluência de dois mundos: o popular e o erudito, na obra de Tim Rescala. A inspiração na máxima dos opostos que se atraem é uma fórmula que dá tão certo que o espetáculo já existe há 17 anos. Em 1988, ano da estréia, a companhia Burlantins esteve em Curitiba, mostrando o trabalho.
Lamentavelmente, por motivos logísticos, dificilmente as montagens de Minas Gerais vêm a Curitiba. Porque O homem que sabia português é daqueles espetáculos que consegue ser simples e grandioso ao mesmo tempo. Simples por ter como cenário apenas um coreto, pequenas estantes de livros e um quadro, que de vez em quando ganha vida com a presença da mãe repressora do professor – os atores se revezam na representação.
De grande está a versatilidade dos atores e a riqueza do texto, escrito em rimas-ricas e musicado ao som do piano, dedilhado carinhosamente pela também polivalente Jussara Fernandino. A trama conta a história de um solitário professor que decide colocar anúncio em um jornal em busca de uma namorada. Em vez disso, recebe a visita de uma confusa candidata a empregada. Posteriormente, chega a casa dele uma candidata verdadeiramente interessada em romance, que acaba se envolvendo com o faz-tudo do bairro, que nas horas vagas é poeta. Uma história ao mesmo tempo delicada e divertida, que junta teatro e música. (GR)