Das muitas emissoras de tevê que já existiram no Brasil, a extinta Excelsior foi a que menos tempo durou: apenas dez anos. Apesar do pouco tempo de existência, o então canal 9 de São Paulo, que passou a operar no dia 11 de junho de 1960, lançou programas importantes da tevê brasileira, como o humorístico Os Adoráveis Trapalhões, que marcou o início da parceria entre Renato Aragão e Dedé Santana, e o infantil Essa Gente Inocente, já reeditado pela Globo com Márcio Garcia. Mas a Excelsior ficou famosa mesmo por ter sido a primeira a apostar numa telenovela diária – até então, os folhetins eram exibidos duas ou três vezes por semana.
Inicialmente, o gênero era baseado em textos estrangeiros, como a pioneiríssima 2-5499 Ocupado, escrita pelo argentino Alberto Migré. ?Nos anos 60s, os jovens eram mais audazes que os de hoje em dia. Acreditávamos que podíamos mudar o mundo e, realmente, mudamos?, orgulha-se Álvaro de Moya, diretor artístico da emissora entre 1960 e 63 e autor do livro Glória in Excelsior.
Del Nero, Álvaro de Moya, Manoel Carlos e Jô Soares: pioneiros. |
Dos muitos amigos que fez na extinta Excelsior, Álvaro de Moya cita o novelista Manoel Carlos e o humorista Jô Soares. O primeiro era diretor do programa de auditório Brasil 60, apresentado pela cantora Bibi Ferreira, e o segundo, redator do humorístico Simonetti Show, comandado pelo maestro Enrico Simonetti. Gravado no palco do Teatro Cultura Artística em São Paulo, o Brasil 60 misturava de números musicais a esquetes de humor. Toda semana, Bibi Ferreira recebia convidados como Lupicínio Rodrigues, Lamartine Babo, João Gilberto e Dorival Caymmi. ?Abríamos espaço para tudo que era bom. O Vinícius de Moraes, por exemplo, chegou a ficar mais de meia hora no palco, cantando e recitando poemas?, recorda Manoel Carlos.
Pioneira
Paralelamente à linha de shows, a Excelsior investiu também em teledramaturgia. O pioneirismo de 2-5499 Ocupado coincidiu com a formação do mais célebre par romântico da tevê brasileira: Tarcísio Meira e Glória Menezes. ?A novela era muito boba, ingênua. Só fizemos porque iria ao ar na hora do jantar, quando a audiência era baixa e pouco havia a perder. Mesmo assim, foi um sucesso. Quarenta e poucos capítulos depois, ela terminou com índices altíssimos?, espanta-se Tarcísio. Com o slogan Novela é com o 9, a Excelsior logo lançou outras produções, já de autores nacionais, como A Deusa Vencida, de Ivani Ribeiro, que lançou Regina Duarte, e A Pequena Órfã, de Teixeira Filho, que revelou Glória Pires.
Ainda no campo da teledramaturgia, a Excelsior entrou para a história ao produzir Redenção, a mais longa das telenovelas brasileiras, com inacreditáveis 596 capítulos. Para manter o interesse, o autor Raimundo Lopes inseria novos personagens a cada três ou quatro meses. Os únicos fixos eram o jovem médico Fernando, interpretado por Francisco Cuoco, e a fofoqueira da cidade, Dona Marocas, por Aparecida Baxter. ?Só não foi cansativo fazer Redenção porque ela deu certo. A certa altura, tiveram de matar a heroína para que a trama pudesse continuar. Meu personagem, é claro, sofreu, mas logo arranjaram uma nova namorada para ele?, graceja Cuoco.
Fechada pela ditadura
Proporcionalmente, Redenção teve uma vida bem mais longa que a própria Excelsior. Dono de uma das maiores fortunas do país, o então proprietário da emissora, Mário Wallace Simonsen, começou a perder força antes do golpe militar de 1964. Numa época em que não era bem-visto por se manifestar favorável à democracia e à liberdade de expressão, viu seus negócios de café serem boicotados pelo governo. A Panair, empresa de avião de sua propriedade, logo fechou as portas. Em crise, os canais 9 e 2, de São Paulo e do Rio, seriam os primeiros a ter as suas concessões cassadas pelo governo militar, em 30 de setembro de 1970, pouco mais de dez anos depois de sua inauguração. ?A Excelsior foi de fundamental importância para a tevê brasileira. Foi ela que investiu na industrialização da telenovela, abriu espaço para o autor brasileiro e serviu de ?know-how? para o que a Globo realiza hoje em dia?, avalia Gianfrancesco Guarnieri, um dos que estavam presentes ao apagar da luz da TV Excelsior.