Em 12 anos, ‘Boyhood’ teve 39 dias de filmagem

Em Berlim, Richard Linklater revelou que o momento mais dramático de Boyhood foi quando sua filha – Lorelei Linklater – insistiu para que a personagem Samantha morresse. Não foi exatamente porque ela quisesse sair do filme, mas, argumentou com o pai, “Nada está ocorrendo. É preciso sacudir a vida dessas pessoas. O filme está sem dramaturgia”. Era um risco calculado, papai argumentou. Desde que teve a ideia de fazer o filme, Linklater sabia o que não queria. Para ele, era importante que a grande história ficasse fora de Boyhood. Nenhuma ocorrência traumática. Ele queria seguir a passagem de um garoto da infância à juventude no seu cotidiano. A morte, como queria Lorelei, estava fora de cogitação.

Não só a morte. Linklater queria fugir à dramaturgia tradicional dos ritos de passagem. Nada de primeiro beijo, perda da virgindade. “O partido era ser rigorosamente realista, mas em pequenas doses, concentrando nas pequenas sutilezas do dia a dia.” Boyhood segue o protagonista, Mason, dos 6 aos 18 anos.

Interpretado por Ellar Coltrane, ele faz seu rito de passagem diante da câmera.

“Começamos a filmar em julho de 2002 e terminamos em outubro de 2013. Ao longo de 12 anos, tivemos 39 dias de filmagem, algo em torno de três dias por ano, mas as coisas não foram tão regulares assim. Houve um hiato de 18 meses, outro de nove. Quando nos reencontrávamos, sabíamos que tínhamos um plano a seguir, mas os detalhes das cenas eram decididos no set, com os atores e os técnicos. Boyhood tem 143 cenas e não creio que exista uma só delas que não tenha seu componente de improviso. É meu filme mais ‘experimental’, no sentido de que experimentávamos tudo, a todo momento.”

Como se orça um filme desses? “Nosso custo ficou em torno de US$ 200 mil por ano, mas isso porque os atores e técnicos entraram no espírito do projeto e trabalharam pelo mínimo. Tivemos um patrocinador, a IFC, que nos deu o dinheiro a fundo perdido, e isso foi um milagre. O orçamento total ficou em torno de US$ 2,4 milhões e o mais complicado era a engenharia para reunir as pessoas de novo.” Um termo que Linklater usa muito para definir seu filme é ‘normality’.

“Desde o começo, estava perfeitamente claro para mim que essa não seria uma família extraordinária. O que me atraía era o aspecto normal, de gente como a gente. E se eu não queria os grandes eventos nem os grandes traumas é porque já estamos lidando com o tempo, e isso já é uma experiência extraordinária. Lembro-me que, no primeiro dia, pensei comigo: ‘No que estou me metendo?’ Mas era o desafio. Filmar com a mesma equipe, o mesmo elenco, por tanto tempo. Mostrar os efeitos do tempo sobre todos nós. A memória.”

Patricia Arquette disse que Linklater foi persuasivo, ao convidá-la, mas que a ideia volta e meia lhe parecia louca. “Me perguntava se ia dar certo, mas todo mundo estava tão entusiasmado.” Na coletiva do filme, em Berlim, Lorelei agradeceu ao pai por não haver matado Samantha. E confessou que chorou ao ver Boyhood pela primeira vez. “Eu era aquela menininha? Aquela garota? Tentava me lembrar de cada momento, mas as lembranças ficavam confusas.” Para o espectador, o efeito de um filme como Boyhood, baseado nas pequenas coisas do cotidiano, deve ser cumulativo. “Grandes diretores enfrentaram e venceram esse desafio, o japonês (Yasujiro) Ozu, que era mestre em filmar o nada que virava tudo na tela”, reflete Linklater.

E, claro, havia os pequenos problemas. “A trilha é muito importante num filme como esse, assim como a direção de arte. A casa, os quartos. O tempo tem de estar expresso nos detalhes. Volta e meia Ellar (Coltrane) me ligava para perguntar se estava OK se ele fizesse uma tatuagem, ou colocasse um brinco.

Minha preocupação era com a cena em que ele corta o cabelo. Na verdade, Ellar não aguentava mais aquele cabelo e ficou aliviado ao cortar, mas teve de agir como se estivesse revoltado, como o personagem estava. Fazer esse filme foi uma experiência muito rica. Todo mundo queria ver o material do ano anterior, mas só bem recentemente eu comecei a mostrar o que havíamos filmado. Não queria que os atores ficassem muito conscientes dos personagens. Queria a vida. Alguns momentos foram de tensão, de dúvida. Mas, como tinha tempo para elaborar, foi um filme muito pensado. O mais pensado de minha carreira.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo