Elza Soares despontou para o sucesso com uma canção de Lupicínio Rodrigues, há exatos 55 anos. Ela se apoderou de tal maneira de Se Acaso Você Chegasse, parceria do compositor com Felisberto Martins, que a gravação de Ciro Monteiro, feita em 1938, ficou em segundo plano. Nada mais natural, portanto, do que a cantora lhe dedicar um show no ano em que o centenário dele é celebrado.
Mas a concepção de Elza Soares Canta Lupicínio Rodrigues, que fica desta sexta-feira, 09, até domingo, 11, no Sesc Pinheiros, transcende a homenagem. Com a coluna operada há três meses, a intérprete diz que sua vontade era retornar aos palcos “se lembrando de coisas boas”. E nelas se incluem um repertório que tem o amor como motor principal e a amizade de Elza com Lupi, iniciada na boate Texas Bar, no Rio, onde ela se apresentava.
“Eu tinha medo de homem, já tinha sofrido muito. De repente me aparece alguém dizendo. ‘Estou trazendo rosas para outra rosa’. Já saí falando que detestava rosas e que não chamava Rosa. E aí, com aquela voz doce dele, ele me disse: ‘Eu sei que você é Elza Soares e está fazendo sucesso com Se Acaso Você Chegasse. Eu sou Lupicínio Rodrigues. Aí aceitei as rosas”, lembra a cantora. Alegoricamente, ela aceita novamente as flores de Lupicínio no show, já que rosas espalhadas pelo palco fazem parte da cenografia.
No show, com direção musical do saxofonista Eduardo Neves, clássicos da dor de cotovelo como Cadeira Vazia, Esses Moços (Pobres Moços) e Nunca aparecem com roupagem moderna, com base no jazz. Para Elza, é um modo de trazer Lupicínio para os dias de hoje. “A música dele tem que ser conhecida pelos jovens. A escola tinha que ensinar quem é Lupicínio Rodrigues, quem é Johnny Alf. Os grandes compositores estão esquecidos.” Ela reclama, também, que Jamelão, considerado o grande intérprete do compositor, não é lembrado como deveria.
Elza diz que o espetáculo, por sua carga emocional, deveria chamar Elza Soares Canta e Chora Lupicínio, já que não se priva de derramar lágrimas no show. O amor expresso nas letras do compositor a toca profundamente e faz lembrar de um tempo em que os relacionamentos não eram superficiais. “Estou sempre apaixonada e as músicas do Lupi trazem isso, essa coisa de amar sem medida, essa loucura. Hoje já não é mais assim, tem isso do ‘ficar’, um vai e outro vem. Continuo sofrendo por amor e acreditando nele.”
A identificação de Elza com o cancioneiro do homenageado é tamanha que ela o personaliza na apresentação. Em Vingança, no verso que diz “E a vergonha é a herança maior que meu pai me deixou”, ela cita o nome do próprio pai, Avelino. Ele a obrigou a se casar com apenas 12 anos. “Eu viro o Lupi no show. Tomo as dores”, conta. Para a cantora, essa intensidade merece ser registrada. Sem gravar um disco desde Beba-me (2007), pretende registrar o show em CD e DVD.
Virada
No dia 18, Elza se apresenta na Virada Cultural, interpretando o álbum A Bossa Negra (1961). Entre as músicas, Boato, As Polegadas da Mulata e… Cadeira Vazia. “Esse disco é uma lembrança do tempo em que eu tinha que pedir licença para tudo, pra cantar, gravar disco e licença para alimentar meus filhos.” Mas reconhece que relembrar o repertório do álbum será prazeroso. “Vai ser com um pessoal aí de São Paulo, sei que eles vão saber fazer de uma maneira boa. Estou feliz com tudo isso”, reconhece a mulata, que diz continuar assanhada e com a voz tinindo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.