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Elton John chega aos 70 anos como um sobrevivente de todas as loucuras

Questionado em 2015 sobre o que faria da vida quando chegasse aos 70 anos, Elton John sorriu ao repórter: “Ainda não sei. Estou tentando chegar aos 69”. Ele havia acabado de lançar o que ainda é seu álbum mais recente, Wonderful Crazy Tonight, um disco otimista e solar. Estava feliz ao lado do marido, David Furnish, realizado com os filhos, Zachary e Elijah, e satisfeito ao passar a régua na própria vida. Com 50 anos de carreira e de parceria com seu letrista maior, Bernie Taupin, Elton calculava acumular mais de 300 milhões de álbuns vendidos, realizado mais de 4 mil shows por 80 países e, enfim, chegar a uma fortuna de US$ 440 milhões (quase R$ 1,5 bilhão). “Eu tenho uma vida maravilhosa”. Sim, não dava para negar.

Ainda não lhe parece, e ele mesmo evita o assunto, mas os 70 anos chegaram. Mais precisamente neste sábado, 25, o garoto londrino Reginald Kenneth Dwight, que começou a tocar piano aos 3 anos de idade ouvindo Elvis Presley e Bill Halley antes de deixar de ser Reginaldo para se tornar Elton, chega ao tempo da serenidade. Sir John, por menos que sua história combine com tal status, é um homem de família. Explosivo com os mais próximos, solidário com quem não conhece, seu senso humanitário pode esbravejar na injustiça e evaporar-se na ira. É quando a boca chama os inimigos. “Quem dubla no palco, diante de pessoas que pagaram 75 libras por um ingresso, merece levar um tiro”, disparou contra Madonna. “Ele é patético, coitadinho. Parece um macaco com artrite tentando subir no palco e parecer jovem”, falou de Keith Richards.

O ano que pode ser de balanços espirituais e revisão de carreira inclui também alguns shows no Brasil. Por menos que pareça sensível ao fechamento de ciclos, este pode ser um fator emocionalmente diferencial das outras apresentações recentes que fez por aqui.

Elton se apresenta primeiro, dia 31 de março, em Curitiba (Pedreira Paulo Leminski), seguindo depois para Rio de Janeiro, em 1º de abril (Praça da Apoteose); Porto Alegre (4 de abril, Anfiteatro Beira-Rio); e São Paulo (6 de abril, Allianz Parque). Vai dividir uma noite generosa com James Taylor, espécie de seu heterônimo norte-americano ao violão, detentor da mesma habilidade de entender o que pode fazer multidões cantarem juntas, resignadamente apaixonadas.

Elton e James Taylor oferecem toneladas de memória afetiva com canções de cinco décadas que não caberão em shows individuais de aproximadamente 1h30 cada um, mas chegam ainda com dois belos álbuns relativamente recentes. Before This World, de Taylor, é country, folk e baladeiro, como suas melhores apostas. Today, Today, Today é uma canção profunda e sensível, com o espírito de 1970. Elton John ainda vive do frescor de Wonderful Crazy Night, lançado em 2015 e que reflete seu momento de satisfação. Seu piano grande, cheio de intervenções solares, faz a base para uma voz trabalhada pela ação do tempo. Se comparar vocais de Rocket Man original com o que ele mostra hoje, ao vivo, fica evidente que Elton ganhou com a oxidação dos anos o que nunca teve na juventude. O fio que se desintegrava nos graves tem corpo e musculatura e o drive, a distorção roqueira à qual nunca chegava, é hoje mais um recurso.

Aniversários de Elton John sempre foram tão espalhafatosos quanto as fantasias de Pato Donald ou Mozart com as quais ele subiu ao palco nos anos 80. Em 1981, foi a Paris festejar seus 34 anos com comes e bebes pagos pela gravadora no restaurante Élysée Matignon, ao lado de Rod Stewart, Malcolm McLaren e Pete Townshend. Em 1987, chegou aos 40 anos em uma mansão na Inglaterra e, diante de Lionel Richie, Tim Rice e Phil Collins, ganhou do empresário de então uma Ferrari Testarossa vermelha. Dez anos depois, em 1997, fez 50 anos com uma festa à fantasia para 600 amigos. Elton, com uma das maiores perucas que já usou, era o Rei Luis 14.

Os 70 anos serão acolhidos de forma mais discreta e humanitariamente consciente. Sua festa será em Los Angeles, no Hammer Museum, e terá o envolvimento da Elton’s Aids Foundation, mantida pelo artista, que oferece assistência a portadores do vírus HIV. Além dos 70 anos de Elton, serão lembrados os 50 da parceria com Taupin. A intenção da noite, organizada por Rob Lowe, será de arrecadar dinheiro entre convidados milionários como Lady Gaga, madrinha dos dois filhos do pianista, para o tratamento da doença. Sinal de que a farra ainda existe, desde que tenha um razão social.

Elton John, um libertário militante, precisou abrir caminho de foice em punho em um universo essencialmente machista e intolerante. O rock and roll dos anos 1970, sisudo e virtuoso, de Who, Pink Floyd e Led Zepellin, pregava a liberdade mas olhava feio para pianistas e não admitia gays. Pianistas gays, então, nem pensar.

O primeiro problema foi resolvido com quilos de fantasia. Era preciso quebrar a imagem do pianista sombra, trazê-lo para a frente. Seu ato passou dos limites. “Eu me arrependo por ter feito aquilo”, declarou. A segunda questão foi dissipada pelo silêncio. Elton não só afogou sua sexualidade em doses de álcool e cocaína como resolveu amordaçá-la casando-se com uma mulher. Enquanto seus discos o levavam às estrelas, com Your Song realizando sua invasão britânica nos EUA, ele mesmo queria morrer. Sozinho em casa, abriu o gás, ajoelhou-se em frente ao forno e colocou a cabeça bem no fundo.

Quando o corpo adormecia, a porta se abriu e o anjo apareceu. Bernie Taupin, imediatamente, passou a gargalhar. Uma gargalhada que fez Elton, vendo-se com os olhos do amigo, sentir-se ridiculamente vivo. Ele se levantou, fechou o fogão e sentou-se ao piano para fazer Someone Saved My Life Tonight (Alguém Salvou Minha Vida Nesta Noite). E nunca mais deixou de cantar essa música.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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