Elo entre Cantinflas e o herói de Chaplin são recriados

Biopics, os filmes biográficos, formam um gênero difícil. Às vezes, dão muito certo, como a Piaf de Olivier Dahan, servida pela sublime interpretação de Marion Cotillard. Na maioria das vezes, deixam a desejar. Cantinflas tem tudo que, a priori, poderia resultar num grande filme. Do ponto de vista técnico, é impecável. A fotografia e também a direção de arte, os figurinos recriam à perfeição a chamada era de ouro do cinema mexicano, embora talvez seja um problema que Carlos Hidalgo trabalhe agora com a cor e, na época, o que saltava aos olhos eram os deslumbrantes claros-escuros das fotografias em preto e branco do mago Gabriel Figueroa.

A interpretação de Óscar Jaenada beira a perfeição. O espectador familiarizado com o estilo de Cantinflas tem a impressão de que ele ressurge mais jovem na tela. Existem detalhadas informações sobre como Mario Alfonso Moreno Reyes virou o cômico latino mais popular em todo o mundo. Está tudo lá, mas algo falta. Por mais apreciável que seja, Cantinflas não é o grande filme que se espera, ou que se poderia esperar.

Del Amo e o roteirista Edui Tijerina fizeram direitinho sua lição de casa. Contam a origem modesta e a forma como, desde os anos 1930, Mario Moreno foi modelando Cantinflas. Revelam a origem do nome e até aspectos mais íntimos, como a impossibilidade de ter filhos, o que foi um drama. É verdade que muitos personagens secundários não ajudam. Não têm vida. Cumprem seu papel na história sem dizer a que vêm, e isso enfraquece o conjunto. Pois a história de Cantinflas, e isso é tênue no filme, é também a de uma época.

Mario Moreno nasceu na Cidade do México, em 1911. Morreu na mesma cidade em 1993, aos 81 anos. Embora Cantinflas tenha surgido no teatro (de variedades) e no cinema em 1936, o personagem só toma sua forma definitiva em Ahi Está el Detalle, de 1940. Não importa que o diretor de seus filmes, Miguel Delgado, seja medíocre. Cantinflas logra estabelecer uma universalidade que independe da língua. As calças caídas, a camiseta com gravata, o gesto de cofiar os bigodes quando quer-se fazer sedutor, há algo de Carlitos na figura de Cantinflas e ele, além do mais, representa os problemas e aspirações dos pobres – dos despossuídos – da América Latina e do mundo.

Quando fala, e seu humor é tão verbal quanto físico, Cantinflas diz frases sem sentido, balbucia mais que articula as sentenças, e essa também é uma forma de expressar características de sua classe social. Há nele um respeito mítico pela cultura superior – que lhe escapa -, uma crença sem limites na bondade natural dos indivíduos. É interessante ressaltar que, enquanto Cantinflas perfecciona seu (anti) herói, o cinema brasileiro produz suas figuras míticas, comediantes tão grandes quanto ele – Oscarito, Grande Otelo -, mas nem o segundo, apadrinhado por Orson Welles, consegue transpor as fronteiras geográficas e de idioma para se impor ao mundo.

Só Cantinflas consegue, e graças a Hollywood. Primeiro, com A Volta ao Mundo em 80 Dias e, depois, com Pepe, de George Sidney, de 1960, no qual existem referências ao Globo de Ouro e ao Oscar. O mais curioso é que, no Brasil, na Atlântida, diretores como Carlos Manga, Watson Macedo e José Carlos Burle criaram uma estética da paródia que virou cultura de resistência contra a dominação de Hollywood. No México, fosse porque Delgado era mesmo inepto, a paródia não funcionou nem quando Cantinflas se apropriou de ‘clássicos’ como Romeu e Julieta, de Shakespeare, e Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas. Seu público não queria vê-lo em outro papel que não o dele. Mais que um grande ator, foi um grande personagem. O México retratava-se nele. Pode seguir-se retratando em Óscar Jaenada mais que no filme de Del Amo como um todo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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