Em aramaico, criação significa “corte”, conta a artista Edith Derdyk. E não à toa, ela vai citando, ainda, outras raízes de linguagem – texto como tessitura; cifra, “conjunto de caracteres, sinais”, é palavra que vem do árabe “vazio”. São todas questões presentes em sua atual exposição em São Paulo, Na Gaveta, em cartaz até 3 de maio na Central Galeria. Na mostra, Edith Derdyk traz os livros como matéria-prima, transforma-os, mais uma vez, em obras.
Enciclopédias, bíblias e edições relacionadas à classificação foram cortadas ao meio pela artista, tornaram-se objetos escultóricos, como se vê em uma das salas de Na Gaveta. São belos trabalhos que, fixados à parede, se apresentam como paisagens silenciosas suspensas com suas camadas de páginas em tons amarelados, sépia e branco presas com parafusos ou como esculturas de milenares histórias condensadas. “A morfologia do livro foi trazendo resíduos poéticos para esse trabalho”, afirma Edith Derdyk, que participa nesta quarta-feira, 16, às 20 horas, de conversa aberta ao público sobre sua mostra na Central, evento que terá também a presença do filósofo Daniel Kairoz e do proprietário da galeria, Wagner Lungov. Na ocasião, ainda, ela lança Cifrado, uma edição “muda”, com apenas uma apresentação assinada pela artista e “páginas-imagens” de livros cortados ao meio.
Desde 2012, depois de uma viagem de seis semanas a Jerusalém, Edith Derdyk vem se encantando com o processo de tradução e interpretação de textos originários. Pensamento e palavra sempre foram questões de sua prática artística – ela também tem uma ampla produção reflexiva, publicada em edições ou livros de artista. Mas a descoberta do termo “criação/corte” trouxe como desdobramento de sua pesquisa de linguagem e de forma a materialização das recentes peças escultóricas que apresenta na Central Galeria. São obras sobre “cisão” e acúmulo, ao mesmo tempo; criações que Edith tira de uma “grande gaveta”.
Tempos
Como a artista explica no texto de Cifrado, “dentro dos próprios livros – instrumentos de transmissão -, as palavras escutam seus códigos secretos timbrados pela própria matéria de que são feitas as palavras: tinta gráfica depositada no papel”. “Papel é este lugar que recebe a extensão do tempo, incorpora vestígios, fungos, marcas, digitais físicas, rastros do devir cravados no que já foi”, continua Edith Derdyk. Colocar os livros cortados ao meio como peças nas paredes é, ela própria diz, uma ação de criação de um “lugar entre o que está por vir ou que veio e se congelou”.
Mas o fascinante é ver nesta atual exposição de Edith o caminho natural e coerente de sua pesquisa, algo que somente ocorre quando se trata de uma grande artista. Em suas instalações anteriores, por exemplo, toneladas de papéis brancos, “imaculados”, já se transformaram em ondas ou pilhas que tiveram um caráter musical no espaço expositivo.
Em sua mostra passada, Arcada, exibida em 2013 na Funarte, Edith Derdyk criou um campo central com 100 mil metros de linha preta, em tensão (e vale frisar aqui que a linha/o desenho são fundamentais também em sua trajetória) -, mas as páginas de livros estavam lá, em 120 imagens que eram impressões de sobreposições digitais do início do Gênesis (tendo como resultado final, o quase preto, o quase ilegível).
Agora, em Na Gaveta, há outra sala com obras que são prints de uma espécie de caderno de viagem. Mais uma vez, está o sentido de sobreposição, mas o pensamento é rápido, diz a artista, vê-se, ali, um “espírito de leveza”. “A complexidade das instalações de Edith Derdyk é sutil. Gosta de esconder nas coisas, com maior prazer e teimosia, ao que parece, quanto mais prosaicos os objetos e os materiais que habita”, escreveu Jacopo Crivelli Visconti no texto para Arcada. Já a artista afirma que tem apenas como matéria-prima de seus trabalhos “os estados do pensamento”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.