Lá vêm os Beatles de novo. Do baú sem fundo sai agora o DVD The First U.S. Visit (Apple/EMI) com o pretexto de comemorar os 40 anos da primeira vez em que o quarteto britânico pisou solo americano. Como se sabe, a aventura que deflagrou a beatlemania pelo mundo começou no dia 7 de fevereiro de 1964, quando Paul McCartney, John Lennon (1940-1980), George Harrison (1943-2001) e Ringo Starr desembarcaram no Aeroporto Kennedy em Nova York. Dali partiram de volta para Londres, mais do que consagrados, 15 dias depois. Na saída do avião deparam com a impressionante tomada de todas as dependências, da pista ao telhado, por fãs ensandecidos e apinhados como se fossem Os Pássaros, de Alfred Hitchcock. Os pais daqueles adolescentes já haviam visto e vivido algo parecido com Frank Sinatra e Elvis Presley, mas não naquela proporção.

Os Beatles eram garotos na faixa dos 20 anos e aparentemente não se preocupavam em medir o efeito da avalancha que tinham provocado. De qualquer maneira, ver ou rever o documentário dirigido pelos irmãos Albert e David Maysles é sempre prazeroso, especialmente nos extras, com cenas de bastidores e depoimentos do sempre simpático Albert. A graça do filme, especialmente nas cenas de bastidores, deve-se ao grau de intimidade com que se relacionam os astros e os Maysles. “Este filme marcou o início de um novo tipo de documentário por causa da tecnologia que nos permitiu chegar tão perto das pessoas que estávamos filmando”, conta Albert. “Já me disseram que não é mais possível estar em situações tão íntimas com uma câmera porque as pessoas estão tão conscientes delas, que não agem mais naturalmente.” Ele discorda. “Essa não foi minha experiência. Depende de quem está tentando ter o acesso às pessoas, como olham para elas”, ensina.

O segredo é conquistar a simpatia e ter como objetivo mostrar como essas pessoas são. Por isso, os Maysles conseguiram registrar cenas tão espontâneas, como a noitada no ultralotado clube Peppermint Lounge. Levados pelo disc-jóquei Murray the K, foi lá que beberam e dançaram muito, depois da terceira aparição no programa de TV The Ed Sullivan Show, que foi visto por 73 milhões de pessoas, a maior audiência da TV americana até então. Àquela altura eles tinham três singles -Please Please Me, She Loves You e I Wanna Hold Your Hand – no topo da parada em Nova York, simultaneamente. Harrison disse certa vez, impressionado, ter sabido que enquanto eles estavam no ar, nenhum crime ou poucos haviam sido registrados nos Estados Unidos.

Saber que estariam no programa mais visto da TV americana e por aquela audiência espantosa os deixou bastante tensos, como confirmou Paul depois. Mas eles não parecem nem um pouco nervosos em cena. Exceto pelas garotas histéricas na platéia – que a câmera capta em situações hilariantes -, os quatro tocam como se estivessem num porão de Liverpool, ou seja, toscamente. Ainda levaria um tempo para se tornarem grandes músicos e compor as melhores canções, mas a excitação inicial já implicava o futuro mais do que promissor. Por enquanto, a imprensa estava mais interessada em saber se eles usavam perucas ou se aquele corte tigela era natural. A platéia maciçamente feminina se ocupava mais em se esgoelar a cada “uhhh” e “yeah” do que propriamente entender o que eles estavam cantando. Isso fica mais nítido na apresentação no Coliseum, um ringue de boxe, em Washington. A gritaria é ensurdecedora.

Por diversas vezes as condições de luz do ambiente era a pior possível para se filmar, mas mais vale o realismo da cena. É o caso da seqüência da família assistindo ao grupo pela tevê e dos tumultuados encontros do quarteto com a imprensa, num dos quais o repórter do Daily News não se conforma de ter de ficar de fora da sessão de fotos, já que representava o jornal de maior circulação do país.

Albert Mysles conta que nem sabia que tipo de música faziam os Beatles quando recebeu a proposta para documentar sua visita à América. Aceitou o trabalho porque o irmão garantiu que eles tinham talento. Quando terminou a filmagem sentiu uma grande tristeza por separar-se dos quatro. “Eles não eram nem nunca foram deslumbrados com a fama, isso faz parte do seu charme”, garante o diretor. Hoje, pelo gatilho do marketing, qualquer zé-mané chega a cantar para o presidente na Casa Branca. Mysles pode parecer ingênuo, mas há 40 anos a história era outra: quer dizer em suma que as celebridades se faziam pelo talento. Basicamente.

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