Bergman é tão grande que parece reducionismo ter de escolher um filme, mesmo que seja o preferido, do coração. Todo mundo tem o filme de que mais gosta, ou não? O problema é quando o artista é tão grande como Bergman. Morangos Silvestres? Gritos e Sussurros? Persona!

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A palavra italiana vem do latim e designa as máscaras usadas pelos artistas durante as representações. Para os distribuidores brasileiros, Máscara, um título possível, deve ter soado muito anódino. Persona virou Quando Duas Mulheres Pecam, mesmo que, apesar do erotismo, as mulheres não pequem de verdade. Liv Ullman e Bibi Andersson não repetem Ingrid Thulin e Gunnel Lindblom em O Silêncio, quando a degradação humana permitiu a Bergman questionar-se, visceralmente, sobre o silêncio de Deus, um dos temas que sempre o atormentaram. Os outros foram a fome e o sexo. Fome e fome, comer e comer.

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Persona – esqueça as pecadoras – surgiu em 1966, após um hiato de quase três anos do autor. Bergman vinha filmando regularmente, e continuou depois, mas aí, nesse momento, houve uma quebra que mudou tudo. Ele ficou doente, e teve tempo de se repensar. A psicanálise, com certeza, ajudou-o a redimensionar sua vida, o cinema. Ele trocou de mulher, o que já fizera muitas vezes, mas a relação com Liv Ullman foi muito particular. No documentário de Jane Magnusson, Bergman – 100 Anos, ela chora. “Ele foi sempre meu melhor amigo.” Quantos casais podem dizer isso? E, claro, houve o fotógrafo. Com sua luz, Sven Nykvist mudou muito o estilo de Bergman filmar. Os close-ups adquiriram outro significado, a câmera foi ficando cada vez mais próxima do rosto humano, como se quisesse desvendá-lo, em busca da ‘alma’.

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Na entrevista da capa, Manuelle Blanc, diretora do documentário Ingmar Bergman – Por Trás da Máscara, revela por que escolheu Persona como objeto de estudo. Ela viu e reviu o filme incontáveis vezes. Persona integra os pacotes de Bergman que a Versátil estará recolocando nas lojas, nesta semana, para comemorar o centenário do grande diretor, no dia 14. O filme também integra a programação Ingmar Bergman – Lado B, com obras mais secretas do autor, que começa dia 19 no Belas Artes. No começo e no fim, o próprio carvão que alimenta(va) os projetores, na era da película, ganha espaço na tela. O filme queima, o menino levanta-se na morgue. Sonho ou pesadelo? Duas mulheres em simbiose, um só rosto. Paulo Francis adorava provocar. Dizia que Jean-Luc Godard, com sua metalinguagem, provava só haver lido orelhas de livros. Bergman é que os lera todos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.