No seu ofício de atriz, Drica Moraes não se vexa de dizer que não é somente uma observadora. “Roubo tudo, de todo mundo, se vai servir na construção da personagem.” Como assim? “É como se eu tivesse antenas. Estou sempre antenada nas coisas, nas pessoas. E quando vejo alguma coisa interessante, um gesto, um olhar, um movimento de corpo, eu anoto, pensando comigo – ‘Um dia vou usar isso.’ E em geral uso.” Quer dizer que o roteiro não basta? “O roteiro é sempre o ponto de partida. E aí tem a leitura, a conversa com o diretor, a interação com os colegas, o figurino, a locação. Ah, meu amigo, tudo ajuda.”
Talvez Adriana Moraes Rego Reis, filha de um arquiteto e de uma dona de restaurante, única atriz numa família de sete irmãos, não tenha feito tantos filmes quanto gostaria, mas ela reconhece que está numa fase esplêndida. Papéis (e filmes) como O Banquete, de Daniela Thomas, e Rasga Coração, de Jorge Furtado, são raros. E ela está bonita, mais bonita que nunca. Qual é seu segredo? “Não sei, mas sabe que eu concordo com você? Tem algum mistério que eu não quero nem saber, mas também me sinto bonita. Talvez tenha a ver com tudo o que passei, com a doença, uma fase muito dura, difícil. Mas até isso ajuda. Estou fazendo uma médica na nova temporada de Sob Pressão, que estamos gravando, e adivinha? Estou colocando na minha médica muito daquilo que vivi observando os médicos que cuidaram de mim.”
A temporada de Sob Pressão a que Drica se refere – a terceira – irá ao ar somente no ano que vem. Fernanda Torres estava na segunda, e para substituir uma atriz tão brilhante, com uma personalidade tão forte, era preciso outra do mesmo quilate. Recapitulando – Fernanda entrou na série como Renata, a gestora do hospital, porque o diretor Andrucha Waddington, marido da atriz, e o roteirista Lucas Paraizo acharam importante abordar o tema da corrupção. Sai Fernanda Torres e entra Drica Morais. “O Lucas (Paraizo) criou essa médica e eu sugeri a Drica, por quem tenho a maior admiração. Já tínhamos feito o Rasga Coração e eu sabia do que ela era capaz”, diz Jorge Furtado, que também integra a equipe de criação de Sob Pressão. “O Lucas topou, a Drica não vacilou.” E ela – “A personagem é muito forte. O sistema de saúde pública brasileiro é essa loucura que todo mundo sabe. Os médicos têm de ser lutadores, guerreiros. É uma guerra por dia, todo dia, nos hospitais e centros de saúde precários. E a minha médica tem um passado. É ex-presidiária. Estamos justamente na fase de gravar as cenas que revelam o passado dela.”
O repórter visitou a locação no Rio. O hospital da ficção foi montado dentro de um orfanato. Estavam na locação naquele dia – o diretor Waddington, o roteirista Paraizo e os atores Júlio Andrade, Marjorie Estiano e Stepan Nercessian, esse, apenas passeando. Com Andrucha e Stepan, o assunto, como não poderia deixar de ser, também foi o Chacrinha, que ambos fizeram no teatro e, em outro momento da vida do lendário apresentador, no cinema. Chacrinha, o filme, é ótimo. Stepan é genial. “Chacrinha virou minha segunda pele”, reflete o ator. O maior elogio que ele ouviu veio do filho de Abelardo Barbosa. “Ele me disse que voltava sempre para rever o musical, não porque gostasse tanto assim, mas para reencontrar o pai dele.” E Drica – “Olha, trabalhar com aquele elenco é um privilégio. Fazer todos esses filmes, também.” A personagem de O Banquete é uma predadora, uma mulher poderosa, que não leva desaforo para casa. “Foi meio assustadora de fazer, tão diferente de mim. Mas o bom de ser atriz é isso. De repente você está fazendo personagens que não têm nada a ver com você, e tem de se entregar, de convencer.”
O Banquete possui uma dramaturgia forte e diálogos super bem escritos. “A Daniela chegou a pensar em fazer uma peça de teatro, em vez de filme. Acho que será ótima.” Justamente, o teatro. “Amo fazer, foi onde tudo começou, para mim, mas estou numa fase que não tem me permitido voltar ao palco. Muita coisa ocorrendo, todos esses filmes, a série. Mas estou procurando o texto, tem algumas coisas no ar”, anuncia. E a mãe de Rasga Coração, que Jorge Furtado adaptou da peça famosa de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha? “O Jorge me disse que, na montagem que viu, a mãe era a típica dona de casa derrotada, arrastando as chinelas. Ele me disse que gostou muito da energia que eu trouxe para ela. A minha mãe fica ali no meio da disputa entre o marido e o filho, tentando segurar a onda. Acho impressionante como esse projeto foi mudando. Há dez anos, quando o Jorge pensou em fazer pela primeira vez, estava defasado. Entre 2013 e 2016, já era outro mundo. E, agora, entre a apresentação do filme na Mostra de São Paulo e a estreia, houve o segundo turno, a eleição do (Jair) Bolsonaro e as condições mudaram mais ainda.”
O filme retrata a política a partir de relações familiares. “Pai e filho não se entendem. O velho revolucionário, o garoto contestador, e eu ali, sofrendo pelos dois, tentando fazer a ponte. Minha personagem também teve uma vida, teve sonhos, mas está tendo de abrir mão. O texto original fala da resistência à ditadura militar, mas na perspectiva de hoje. Imagina, já tem gente dizendo que nem ditadura foi.” E de quem ela roubou essa mãe? “De mim, ora. Assim como a doença mudou muito minha percepção do mundo, a maternidade também mudou. Foram duas coisas que me fizeram lutar muito. E agora estou aqui, fazendo as coisas de que gosto. Houve um momento que parecia que ia perder tudo. A vida tem dessas coisas. Você só não pode é desistir.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.