O dramaturgo britânico Anders Lustgarten não é bolinho. Carrega um estandarte polêmico: falar a verdade e colocá-la na vida das pessoas por meio do teatro. Já foi preso em vários países por conta de sua atuação como ativista político e continua escrevendo peças que incomodam o público pelo tom ácido, o olhar agressivo sobre a mídia e uma avassaladora crítica à sociedade inglesa e mundial por conta da maneira como se comporta politicamente. Resiste e não desiste. Causa furor por onde passa.
Agora esse furor sobre pernas está chegando aos trópicos. E é em nome da verdade, da sua verdade, que aterrissou em São Paulo no fim de semana para uma maratona teatral, a convite do British Council, para debate (nesta segunda, 22, às 20h) e workshop no Centro Cultural Fiesp.
A sanha dramatúrgica o levou à posição de enfant terrible do teatro britânico. If You Don’t Let Us Dream We Wont Let You Sleep levou o prêmio inaugural Harold Pinter Playwrights Award e foi encenada no Royal Court Theatre. Depois vieram Seven Acts of Mercy, na Royal Shakespeare Company, e A Day at the Racists, no mesmo Royal Court Theatre.
Semana passada, Lustgarten falou à reportagem, por e-mail, sobre o teatro feito hoje, ativismo político e como é, para um dramaturgo rebelde e inquieto, escrever roteiros para séries no Reino Unido.
Por que você gosta de provocar as pessoas?
O que realmente faço é leva-las a se confrontar com as verdades que estão acontecendo em nossa sociedade, colocando vozes e opiniões no palco, o que dificilmente vemos na mídia convencional ou na ficção chamada mainstream.
O teatro, como uma arte de transformação, tem sido o que é preciso em um mundo em convulsão?
O teatro é diferente da mídia e de outras formas de arte por sua vivacidade. Cada vez mais a vida cotidiana é intermediada por telas, aplicativos, reuniões por meio do Skype. Estamos cada vez menos expostos à realidade de outros seres humanos, exceto em situações chatas, como transporte público e competição por empregos e moradia. Então há algo muito poderoso em ver pessoas passando por fortes emoções na companhia de outros seres humanos, algo que uma noite no teatro é capaz de fazer. Há uma solidariedade natural e empatia lá, uma arte que só existe naquele momento.
O que é ser hoje um ativista no teatro?
É usar um meio intrinsecamente empático e compassivo para mostrar às pessoas o que está acontecendo além de seu círculo limitado de existência. Uma coisa que eu aprendi como ativista político, antes de ser escritor, é que você muda a mente das pessoas emocionalmente e através da história, muito mais do que através de fatos. As pessoas têm sistemas de defesa intelectual e lutarão vigorosamente para manter sua visão do mundo, independentemente dos fatos que você lhes mostrar.
As novas mídias dos últimos 20 anos, internet, Netflix, YouTube e tantas outras, tiram público do teatro e geram comodismo no espectador?
Essas formas estão nos isolando intensamente e nos destituindo de poder. As novas mídias naturalmente levam à individualização da experiência, bem como um consumo mais passivo em que você pode ligá-lo e ele está lá, sem nenhum esforço. É por isso que eu sinto que há uma verdadeira fome de teatro e música ao vivo agora. Eu sinto que o desempenho ao vivo vai se tornar cada vez mais importante na era da internet.
Qual a diferença do seu trabalho em teatro e como autor de séries e filmes?
Há mais camadas de baboseiras na criação de uma série de TV do que quando escrevo uma peça de teatro. O escritor tem muito mais controle do que faz no teatro do que na TV e no cinema. Na TV, porque há mais dinheiro em jogo e mais onanistas que se sentem autorizados a dizer-lhe o que escrever, você tem que fazer uma sinopse, depois um primeiro tratamento do argumento, uma bíblia, um roteiro, em seguida de cinco a dez tratamentos de cada, antes que alguém realmente faça o texto final – e, mesmo assim, eles podem demiti-lo e conseguir que outra pessoa o reescreva! Obviamente a TV paga muito melhor, mas há um preço nisso. A relação da arte com o comércio é antitética, na melhor das hipóteses, e hostil, na pior das hipóteses. Por isso é sempre melhor manter-se o mais longe possível do dinheiro dos homens. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.