A primeira montagem de “Do Fundo do Lago Escuro”, texto autobiográfico pelo qual Domingos Oliveira ganharia um Molière, foi há 30 anos. Fernanda Montenegro e Fernando Torres faziam os papéis do casal de meia-idade Conceição e Henrique, ela filha e ele genro da matriarca de uma tradicional família carioca, Dona Mocinha, à época vivida pela atriz veterana Carmen Silva.
Quando percebeu que Priscilla Rozenbaum, sua mulher e atriz predileta, já era madura suficiente para encarnar Conceição, sua mãe, e que ele próprio, aos 73 anos, poderia ser Dona Mocinha, sua avó, Domingos começou a tocar a remontagem. Paulo Betti interpreta seu pai. “A situação ficou irresistível pra mim”, conta o autor, há quatro semanas em cartaz no Teatro das Artes, no Rio (a temporada vai até o dia 27).
O público se diverte ao vê-lo travestido. Mas logo passa. O que faz rir até o fim são as tiradas de Dona Mocinha, autoritária, intransigente, durona, mas também gregária e devotada à família. Ao fim, a plateia se emociona ao saber que o menino Rodrigo, vivido pelo ator mirim Victor Navega Motta, é o próprio Domingos, e que tudo que se passa ali, na casa da Rua da Matriz, em Botafogo, reproduzida com suas salas cheias de samambaias, é inspirado em sua vida.
A história se passa nos anos 50, ao som de Carlos Lacerda no rádio. Na vida real, Domingos já era rapaz feito. Na peça, Rodrigo é ainda uma criança, muito protegida pela família. O público gosta do tom confessional. “É algo muito pessoal, de verdade”, justifica Domingos. “Inventei muita coisa, porque a memória é falha, mas me baseei em fotos, que examinei durante um mês. Ficava tentando lembrar quem era a pessoa desfocada ao fundo…”
Em atividade há cinco décadas, ele fez questão de dirigir o espetáculo, o que não aconteceu quando da montagem com Fernanda Montenegro (o diretor foi Paulo José). Houve ainda uma outra, nos anos 90, com o grupo Tapa. Ele acredita que não exista melhor diretor do que o próprio dramaturgo. “Prefiro quando eu participo. O autor sabe coisas que ninguém mais sabe, sempre deveria dirigir suas peças. Para ser melhor do que o autor, só sendo um grande diretor, como o Antunes (Filho). Esta é a 56.ª peça que dirijo, me sinto em casa.” O camarim ajuda: bem grande, colada no espelho, vê-se uma foto de Dona Mocinha, a verdadeira. “Estou a cara da minha vó. Eu sou a minha avó”, aponta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Do Fundo do Lago Escuro – Teatro das Artes (Rua Marquês de São Vicente, 52, Gávea). Tel. (021) 2540-6004. De 2ª a 4ª, 21h; 5ª, 21h30. R$ 50. Até 27/5.