Confesso que leio com freqüência, respeito e admiro a poesia feminina, desde a grega Safo de Lesbos, contemporânea de Alceu de Mitilene e Anacreonte de Teos.
Não posso deixar de evocar grandes poetisas inglesas como Elizabeth Browning, autora desse livro magistral que é “Sonnets from Portuguese”, Christiana Rossetti e Edith Sitwell.
Tenho grande admiração pela obra de grandes poetisas norte-americanas (e talvez fosse melhor falar em poetas, se não temesse ferir compreensíveis susceptibilidades de alguns puristas), como é o caso de Emily Dickinson, que só depois da sua morte teve reunidos mais de 1.700 dos seus poemas, geralmente breves e concisos, não raro epigramáticos, marcados pela intemporalidade e o abstracionismo, revelando uma imagística rica e colorida que faz dela, provavelmente, a maior poetisa da língua de Shakespeare. Mas há outros nomes respeitáveis, na seara poética feminina ianque: Amy Lowell, Mariana Moore, Certrud Stein, Edna Milay e Sylvia Plath.
Aliás, eu penso que poesia feminina de língua inglesa é a única que compete com a de língua portuguesa pela primazia estética. Reverencio de modo especial a obra poética da chilena Gabriela Mistral e da espanhola Rosalía (com acento no “i” e não no “a”, que escreveu predominantemente em galego, mais perto do português, quiçá, que do próprio espanhol.
Aprecio as francesas Ana de Nouailles e Marcelime Desbordes-Valmore. Das portuguesas, tenho em mente, sobretudo, cinco nomes: Florbela Espanca, autora do Livro das Mágoas e de Sonetos completos, em que se revela uma lírica de alto coturno, cultivando a angústia e o desespero ontológico em versos profundamente melodiosos e comoventes; Fernanda de Castro, Virgínia Vitorino, Natércia Freire e aquela que é provavelmente a maior poeta português viva, Sofia de Melo Breyner Andresen, autora de três dezenas de livros onde se revela uma espécie de irmã siamesa, estética e espiritualmente (e até estilisticamente, em certos momentos) na nossa grande Cecília Meireles).
Mas é, provavelmente, a literatura brasileira aquela que oferece um número maior de poetisas de envergadura. Começaria pela grande sonetista Francisca Julia, expoente do parnasianismo, e continuaria com Cecília Meireles (a mestra de “Vaga música”, “Mar absoluto” e “Solombra”), Henrique Lisboa, Adalgisa Nery, Lupe Cotrim Garaude, Marly de Oliveira e Helena Kolody. (E esta, como as demais nominadas, poderiam prosseguir).
Todavia, relanceando o olhar “à vol d?oiseau” sobre as nominatas que ficaram para trás, constato com certa perplexidade – e não menor tristeza – que não existem nelas nomes comparáveis, “mutatis Mutandis” (em termos de sexo, é claro) com Dante e Camões, Milton e Petrarca, Shakespeare e Goethe, Rimbaud e Baudelaire, Mallarmé e Breton, Heine e Rilke, Whitman e Ezra Pound, Séferis e Kaváfis, Ungaretti e Montale, Valéry e Saint-John Perse, Neruda e Lorca, Bandeira e Drumond, Pessoa e Jorge Sena, Keats e Burns, Yeats e T.S. Eliot, João Cabral de Melo Neto e José Régio, Auden e Archibald Macleish e “tutti quanti”. Citei três dúzias de nomes emblemáticos. Podia ter citado três centenas.
Temos que admitir sem relutância, em abono da verdade, que não existem gênios na província poética feminina. E o fenômeno se repete, sem a menor dúvida, no território das demais artes – da música à pintura, da escultura à arquitetura, etc.
Temos aí um claro enigma, um nítido mistério (passe o aparente paradoxo, já que os enigmas costumam ser escuros e os mistérios imprecisos…) Considerando a inequívoca e transparente sensibilidade de que é dotado o sexo frágil, a ponto de ser essa sensibilidade a marca por excelência da condição feminina, seria normal que ela se projetasse de modo avassalador no campo das artes, da criação artística, revelando aí, nomes arquetípicos, tangenciado (ou secantizando mesmo) o círculo da inefável genialidade. Tal não acontece, porém.
Tenho a ainda tese provativa. Ou, quem sabe, talvez ela não seja inteira ou exclusivamente minha. Quero crer, do fundo da minha insignificância pensante, que a criatividade feminina se concentra em toda a plenitude naquela que é por excelência a criação das criações – a maternidade. Parece que essa função biológica e existencial, essa liturgia quase sagrada, pede, cobra, demanda, exige energias formidáveis – a um só tempo físicas, psicológicas e espirituais – que acabam por faltar para essa atividade menor (comparativamente, é claro) que é a criação artística. Certamente, nesse confronto – ser mãe, ser gênio – a maternidade leva a palma da glória. E com toda a justiça.
A análise do tema, eminentemente complexo, foi talvez perfuntória? Foi a permitida pelo espaço disponível. Não obstante, talvez volte a ele, oportunamente, “Deo volente”.