O Lewgoy é como o mar; você passa aquelas primeiras ondas na arrebentação e depois é tudo tranquilo. Quem assim define o ator José Lewgoy (1920-2003) é seu amigo, o cartunista Chico Caruso. A frase resume bem o sujeito com pecha de irascível, mas que se revela um doce de coco depois que a intimidade se estabelece. Visto de longe, Lewgoy parece mesmo um mar. Imenso, multifacetado, plural, cheio de contrastes e sempre igual a si mesmo – como descobriu Claudio Kahns, diretor de “Eu Eu Eu José Lewgoy”, documentário que estreia sexta-feira.
“Muita gente não conseguia atravessar essas primeiras ondas e chegar até o Lewgoy”, conta Kahns, que o conheceu em Lisboa onde o ator trabalhava em “O Judeu”, de Jom Tob Azulay. Kahns atreveu-se a enfrentar a arrebentação e os dois tornaram-se amigos. Lá mesmo, em Portugal, o cineasta percebeu como Lewgoy era famoso. “Era época da novela Dancing Days e ele era reconhecido na rua em Lisboa.” Pediam autógrafos e aplaudiam. A mesma coisa em Roma. “São poucos os atores brasileiros que tiveram esse reconhecimento internacional”, acredita Kahns.
Fama justificada por longa carreira, que começou na Universidade de Yale, na qual o gaúcho de Veranópolis José Lewgoy conseguiu bolsa de estudos graças à influência de Érico Veríssimo. O filme relembra esse período, o início da atividade na cena teatral norte-americana e o embarque de volta ao Brasil, talvez precipitado e no fundo lamentado por Lewgoy. Depois o trabalho nas chanchadas, nas quais se tornou o eterno vilão; em um clássico do cinema político como “Terra em Transe”, no qual faz o governador populista Vieira.
Um grande número de filmes, tendo contracenado com Oscarito e Grande Otelo, Cyll Farney e Anselmo Duarte e sido dirigido por cineastas como Glauber e Werner Herzog. Além deles, o teatro e mais de 30 anos de participação na programação da Globo são suficientes para tornar uma pessoa muitíssimo conhecida e amada pelo público.
E, assim, Claudio Kahns, depois de atravessar as ondas, marolas e correntezas contrárias da primeira aproximação com o ator, tornou-se íntimo e lhe propôs fazerem um documentário. Lewgoy se esquivava, rabugento: “Isso é para quem está com o pé na cova. Você quer que eu morra”. E a coisa parou por aí. Amigos, mas sem filme. Até que um dia, de surpresa, como era seu hábito, Lewgoy ligou para Kahns e disse que estava pronto para começar o documentário. Era o ano de 2002, mas em seguida Lewgoy ficou doente, foi internado e, meses depois, morreu. Não houve tempo de fazer o que haviam planejado, um filme em que fossem os dois juntos a toda parte, entrevistando amigos, familiares, produtores, gente de todo tipo que havia trabalhado ou convivido com ele.
O jeito foi fazer o filme de Lewgoy… sem Lewgoy. Por sorte, havia muito material a ser pesquisado. “Cem filmes, 23 novelas e algumas minisséries e cinejornais dos quais ele tinha participado”, conta Kahns. Havia também um longo depoimento dado à Fundação Roberto Marinho. Muito material, hoje em dia, é sinônimo de muito problema, por conta dos direitos autorais. Houve isso? “Negociei e tive de abrir mão de alguns materiais por conta dessas dificuldades; acho que o filme não se ressente. O Lewgoy essencial está lá.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.