O filme começa cuidadosamente. Um homem trabalha desativando minas – resquícios da guerra – num campo africano. Uma enxada crava na terra, agora não mais do campo de minas, mas de uma lavoura na mesma África, enquanto a mulher que manuseia a ferramenta entoa um canto de trabalho. O canto aos poucos se mistura com a música do grupo português Madredeus, que faz um show na praia de Ipanema.
O documentário Vida -Línguas em português, de Victor Lopes, que estreou ontem em diversas capitais, leva o espectador por uma viagem no cotidiano das tais “vidas em português” espalhadas pelo mundo, vidas unidas pelo idioma, mas com a identidade marcada pelos sotaques. Como guias, fascinantes personagens entre anônimos e famosos, como o escritor José Saramago e compositor Martinho da Vila.
“É um documentário de personagens. É a força deles que conduz as temáticas, tendo como linha mestra a utilização da língua, os vários discursos, de sedução, arte, manipulação”, explica Lopes. Os famosos também foram escolhidos por sua dimensão como personagens. Saramago é um Prêmio Nobel, um filósofo da língua portuguesa; João Ubaldo é o grande escritor no botequim; Martinho é genial, voltou à África antes de Mohammed Ali; Mia Couto entra por seu pensar sobre a língua; Madredeus mostra o Portugal contemporâneo, mas ligado à tradição.
O diretor esteve no Brasil, Índia, Moçambique, Japão e Portugal (onde gravou com imigrantes de Angola, Macau e Guiné-Bissau). Em todos os lugares, de uma aldeia em Goa a um hotel abandonado em Moçambique, passando por um clube japonês onde se ouve música baiana, Lopes – com o auxílio luxuosíssimo do diretor de fotografia Paulo Violeta – fez questão de arrancar beleza plástica dos cenários e personagens.
“A construção visual é muito importante para o filme, mas não é uma busca estética, e sim de sentido. É um filme oral, mas imagético também. Não é à toa que o chão de uma praia africana corta para o chão de Portugal. Trata-se da criação de um território universal da língua”, resume o diretor.
O primeiro projeto de Línguas é de 1996, mas Lopes prefere medir o tempo de execução do projeto pelo início do financiamento até sua conclusão, de 1999 a 2002. A demora do filme em chegar ao circuito comercial – a primeira exibição foi no Festival do Rio 2002 – aconteceu devido ao interesse do diretor em fazer um lançamento, pela primeira vez no Brasil, totalmente em cópias digitais. Além da estréia em cidades normalmente consideradas secundárias (Belém e Cuiabá), a tecnologia permitiu um acordo com a rede Sesc para exibição em todo o Brasil.
Seguindo a vocação internacionalista do filme, Victor também pretende exibi-lo em outros países lusófonos. “Ano que vem gostaria de fazer uma mostra itinerante pelo mundo, para verificar outras percepções sobre o filme”, conta.