Cena chocante de presos brasileiros.

O juiz, o réu, a advogada idealista, numa história com pitadas de drama, suspense e vaidade – todos os elementos de um típico filme de tribunal estão em Justiça, filme de Maria Ramos que chega ao circuito nesta sexta-feira. Mas Justiça não é um típico filme de tribunal.

O universo mostrado no documentário, que acompanha as engrenagens que movem a Justiça brasileira, não tem o glamour dos tribunais americanos, não é clean, não tem definidos os papéis de bons e maus. Não há uma prova definitiva que impõe a verdade no último minuto do julgamento. Não há verdade – como em O Prisioneiro da Grade de Ferro e Ônibus 174, outros ótimos documentários produzidos recentemente, há apenas uma enorme perplexidade, dezenas de perguntas e uma sensação de proximidade com a tela que chega a incomodar.

Vencedor do prêmio de Melhor Filme no Festival Vision du Réel 2004, na Suíça, Justiça apresenta o funcionamento do sistema judiciário brasileiro sem didatismos, sem se prender a explicações minuciosas sobre os (des)caminho dos processos. Maria Ramos preferiu acompanhar personagens que, por um motivo ou outro, estão enredados nessa estrutura: o sujeito que foi pego com um carro roubado.

Conversa de réu

Carlos Eduardo, o rapaz pego com o carro roubado, atravessa todo o filme. Com ele, vemos as distorções da Justiça em detalhes como uma bronca moralista, quase um veredicto, que ele recebe da juíza Fátima Maria Clemente – “Você não pensou na sua mulher quando se meteu num carro com outras três”, repreendeu ela. É Carlos Eduardo também que, mais tarde, confessa para a defensora pública Maria Ignez Kato, com naturalidade e até uma certa malandragem, que mentira para a juíza.

Policiais pedem fuzis

Os juízes são representados por Fátima Clemente e Geraldo Prado, quase em contraponto. Ela representa a arrogância e a prepotência da “mão pesada da lei”, sempre com a expressão acusatória. Ele demonstra respeito, equilíbrio e imparcialidade ao lidar com seus réus e testemunhas. A promoção dela para desembargadora, numa cerimônia com um discurso coalhado de frases como “Basta do medo que nos prende em casa, basta da submissão ao terror dos criminosos”, não deixa de ser significativa.

Justiça traça um retrato amplo dos problemas do Judiciário brasileiro. Perto do fim, uma criança nasce, filha de um preso. Imagem de esperança? Talvez, mas pode ser também o símbolo da continuidade de um ciclo que, a julgar pelas imagens do filme, está longe de acabar.

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