Documentário destaca cotidiano de Saramago e Pilar

Novas histórias de amor aparecem semanalmente nos cinemas do mundo todo. Hollywood sozinha já as produz em grande escala. Dessa leva de romances, muitos são artificiais; outros tantos, improváveis, e há outros montes que passam por nossos olhos e não nos fazem sequer suspirar. Mas este certamente fará. Fraternal

à primeira vista, mas incondicional no âmago, o amor uniu duas pessoas de países, idades e pensamento distintos – o escritor português ganhador do Nobel de Literatura José Saramago (morto em junho, aos 87anos)e a jornalista espanhola Pilar Del Río, 28 anos mais nova. São eles o tema de “José & Pilar”, documentário que estreia hoje nos cinemas.

Custou ao diretor Miguel Gonçalves Mendes muita insistência para convencer Saramago a deixar-se filmar pelo cineasta. Ao escritor, pareceu invasiva a proposta de mostrar o cotidiano do casal em sua casa na ilha de Lanzarote, na Espanha, onde passou a viver desde que a Igreja Portuguesa teceu ferrenhas críticas ao seu “Evangelho Segundo Jesus Cristo”.

Mas as desavenças com a pátria apenas margeiam o filme, assim como as opiniões do português sobre religião, política, preconceito e família. O espectador é convidado a acompanhar a rotina surpreendentemente frenética de José e Pilar a compromissos, eventos literários e honrarias ao redor do mundo, no período de 2006 a 2008. Os convites chegam às dúzias de todo o tipo – de instituições, governos e até de líderes religiosos, como o Dalai Lama, mesmo sendo Saramago conhecidamente ateu e comunista.

Um mérito valioso do filme é justamente o registro de José e Pilar em afazeres domésticos ou nos pequenos momentos de lazer a dois, como assistindo a um filme de desenho animado da Disney, de mãos dadas, encostados no sofá. “Eu tenho ideias para os livros, e ela para a vida”, resume brilhantemente Saramago. O encontro com o diretor brasileiro Fernando Meirelles também está no filme, que mostra a reação de Saramago ao assistir à adaptação de seu “Ensaio Sobre a Cegueira”. As filmagens do documentário foram suspensas em 2007, quando Saramago, debilitado pelas viagens, passou meses internado. À época, o autor trabalhava no penúltimo livro, “A Viagem do Elefante”, e terminá-lo tornou-se uma questão de honra para Saramago. Recuperado, pôs-se a escrever. Aos poucos, o longa passa a tratar da morte, da efemeridade da vida.

Para Saramago, que começou a escrever tarde, depois dos 60 anos, a consagração acadêmica o compensou, mas o tempo, não. A morte, “diferença entre ter estado e já não estar”, como ele mesmo diz, o aflige pela saudade de deixar Pilar. Um dos momentos mais emocionantes é o casamento, em 2007, no vilarejo onde mora a mãe de Pilar. “Se tivesse morrido sem conhecê-la, teria morrido mais velho do que serei quando chegar a minha hora”, diz ele. A personalidade introspectiva, melancólica até é quebrada pela alegria cativante de Pilar, que ocupa Saramago de vida até seus últimos dias. As informações são do Jornal da Tarde.

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