Do jazz à bossa nova, Leny Andrade impressiona

Ela estava atrasada em cerca de uma hora para a passagem de som de sua primeira apresentação em Curitiba, ocorrida na sexta-feira, dia 7 de abril, e ao chegar ao Teatro Paiol, local do show, ofegante, já foi adiantando: nossa, hoje foram quatro rádios e duas televisões. ?Antes de vir tive que passar num lugar para comer. Rapaz…, essa vida é agitada?. Foi assim que este repórter e o crítico musical de O Estado, Cristian Toledo, conheceram Leny Andrade, diva da bossa, majestosa no jazz.

Aos 63 anos de vida, Leny construiu uma carreira com momentos em diversos gêneros da música. Do samba para a bossa, depois para o jazz, samba-jazz e diversas variações acerca dos gêneros. E o começo profissional foi aos 15 anos, quando estreou como crooner da orquestra de Permínio Gonçalves, um ano antes ela se formara em piano clássico. Sobre a qualidade musical, Leny infla o peito e conta com orgulho suas parcerias musicais e o aprendizado que toda uma carreira traz para uma intérprete. Tudo o que viveu na carreira retrata bem o que ela representa hoje, talvez seja a principal cantora e intérprete brasileira de jazz. Nos Estados Unidos ela é saudada como extraordinária e a grande voz do jazz atual.

Lúcio Nascimento brincava
com seu baixo antes do show.

?Morei muitos anos nos Estados Unidos e sendo sincera, às vezes tenho vontade de voltar para lá. Estou sempre indo e vindo (com um green card nas mãos Leny tem as portas abertas nos EUA), pois minha ligação com eles ainda é forte?, conta. Residindo em Botafogo, no Rio de Janeiro, onde tem um apartamento há quarenta anos, Leny se queixa da situação deplorável em que a cidade se encontra. ?É triste, veja bem, não tenho pena de bandido – falando sempre num tom baixo e poupando sua voz  -ela se pronunciou. ?Aqueles merdas do meu estado estão depredando com o Rio. Pode escrever??.   A cantora ainda criticou a política cultural do ministro Gilberto Gil e se disse agradecida por não precisar dele. Leny disse que nunca seria compositora, pois jamais seria capaz de compor como Tom Jobim e os ?outros loucos maravilhosos??. Devido as atuais necessidades do Rio, ela preferia ser advogada ou policial para combater a violência.

Leny alcançou o sucesso em 1965, em uma parceria com o cantor Pery Ribeiro e o Bossa Três no show Gemini V, na boate Porão 73. O show foi gravado e lançado em disco como uma das principais obras da bossa nova, em 1990 foi relançado em CD. Há dois anos Leny e Perry repetiram o trabalho e realizaram uma turnê por dez cidades da Europa. Sua fase internacional teve inicio com turnês na Argentina e México, país onde chegou a morar na virada dos anos 60s para os 70s. Desse momento em diante o mundo ficou pequeno e a cantora não parou mais de fazer  shows pelo mundo afora. Para Leny, alguns momentos da carreira são impagáveis, em dois momentos da entrevista ela os revelou. ?Para mim não tem nada melhor do que atender um telefonema de um compositor, um músico, e ouvir palavras de agradecimento pela interpretação de sua música. É de arrepiar?, disse. Em outro momento ela contou sobre uma passagem pelo Japão, onde conheceu uma fã. ?Uma mulher me encontrou e disse que esperou 16 anos para me ouvir cantar, fiquei sem palavras. Em compensação, troco cartas com ela até hoje?.

Os momentos que antecedem a passagem de som

Leny alcançou o sucesso
em 1965, em uma parceria
com o cantor Pery Ribeiro.

Nos momentos que antecederam o breve encontro, o pianista João Carlos Coutinho experimentava seu instrumento fazendo sinal de positivo para Donizete Bonifácio, afinador de piano que ainda estava no local. ?Tá gostoso, o piano?, disse Coutinho. Em seguida, enquanto Lúcio Nascimento brincava com seu baixo e ensaiava com Coutinho, o baterista Adriano de Oliveira, que até então se ocupava na montagem da bateria, entrou na música como quem entra em uma conversa sem dizer uma palavra. E assim fluiu.

Leny era a estrela, mas antes de sua chegada houve tempo para observar o hall do Paiol; em seus cartazes, belas fotos das grande estrelas da música brasileira estampam a riqueza do samba e da bossa nova. Nascimento apontou para um retrato do cantor e compositor Gonzaguinha e logo lhe veio uma lembrança. ?Lembro bem desse cara. Foi uma pena. Estive com ele no dia em que sofreu o acidente?. Após uma apresentação em Curitiba, Gonzaguinha sofreu um acidente automobilístico que lhe custou a vida, em 1991. Mas o clima não ficou pesado, Leny logo chegou e jornalistas, músicos e funcionários do teatro se postaram nos devidos lugares. (DST)

Intérprete encanta público e revela histórias da carreira

Depois do show, muitos
autógrafos e boas gargalhadas.

Durante as duas apresentações no Teatro Paiol, como ela mesma disse, a 5.ª ou a 6.ª vez no local, Leny Andrade proporcionou para o público curitibano momentos raros de inspiração em um repertório que contou com clássicos como Por causa de você, de Tom Jobim e Dolores Duran e Flor-de-lis, de Djavan. Acompanhando a cantora também se apresentaram os músicos João Carlos Coutinho, no piano, Adriano de Oliveira, na bateria, e Lúcio Nascimento, no baixo, uma formação bem conhecida de Leny e também do teatro. Segundo Nascimento, o Paiol é um dos locais onde mais tocou e também local de onde tem as melhores lembranças.

Composta por Vitor Martins e Ivan Lins em homenagem a Leny, a cantora também apresentou Cantor da noite. Durante a passagem de som, realizada por volta das 17h do dia 7 de abril, a reportagem pode conferir uma canja dessa canção. Uma pequena amostra daquilo que seria visto à noite. A bossa nova falou mais alto e no momento em que Leny empunhou o microfone, sua voz foi solta sem poupar sequer um sopro, uma energia. Segundo ela, a importância do diafragma durante a execução de uma música é fundamental para atingir notas e tons adequados. Por isso, enquanto conversa ou dá entrevistas, prefere falar baixo, sem abusar de sua voz.

?Essa história de voz é interessante, uma vez me meteram em uma enrascada, a pior de minha vida?. Leny lembrou de dezembro de 1994, quando estava ?sozinha?? em Nova York e no dia 8 foi arrasada com a notícia da morte de Tom Jobim. ?Para mim aquilo foi muito pesado. O que seria da música sem o Tom Jobim. Eu estava péssima, sozinha em um quarto de hotel e na missa de sétimo dia me chamaram para cantar uma música em homenagem ao Tom?. Com um ar de emoção e também um pouco chocada pela situação, Leny contou que reuniu suas forças e foi até o local para cantar Por causa de você, música de Tom Jobim e Dolores Duran. Segue o trecho: ?Entre meu bem por favor/Não deixe o mundo mau lhe levar outra vez/Me abrace simplesmente/Não fale, não lembre/Não chore meu bem?.

Após a maior intérprete brasileira fazer uma canja de Cantor da noite para essa reportagem, já havíamos percebido que a espera por sua hora de atraso tinha valido a pena. ?E sabe que o jazz hoje tem um público em qualquer parte do mundo?, conta Leny. Ela lamentou sobre o domínio que a indústria musical e o produto comercial descarrega no mercado todos os dias. ?Tem muita gente fazendo uns barulhos e vendendo CDs pra caramba, mas sinceramente, não é música. Ainda bem que existe o erudito, o clássico e o jazz (como exemplos de gêneros ) que enriquecem a música?, afirma.

20h30 da noite, o aconchegante e simpático Teatro Paiol lotado e no palco uma estrela e seus músicos apresentaram um show para marcar lembranças. Após a apresentação, Leny ficou algum tempo no palco para dar autógrafos e divulgar seu trabalho. A cantora também lembrou que Curitiba é a cidade onde gostaria de morar. ?Gente, eu adoro frio, mas não é só por isso que gosto daqui. Existem dois teatros que se eu pudesse, adotaria, um deles é o Paiol?, confessou. (DST)

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