Acaba de chegar às livrarias uma nova e aguardada edição do que foi no início dos ano 80 o casamento perfeito entre a sensibilidade e o esmero do poeta e escritor Ivan Junqueira, ocupante da cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, com o legado eterno de Manuel Bandeira: a antologia Testamento de Pasárgada, relançada pela Editora Nova Fronteira (352 págs., R$ 42), que estava esgotada há quase duas décadas.

Como bem lembra o material promocional da obra, é tarefa das mais árduas fazer uma antologia de um autor cuja obra é quase toda antológica por si só. Mas Junqueira, com a desenvoltura do ofício, saiu-se bem ao debruçar-se sobre a obra banderiana como um pesquisador ávido e dedicado. Mais que uma antologia, Testamento de Pasárgada é um estudo, construído não sobre o critério óbvio da cronologia, mas sobre os temas e caractéristicas mais caras ao poeta, como a morte, a doença, o amor, o humor, a infância, o cotidiano, a angústia existencial, a solidão e muitos outros.

É como se Junqueira convidasse o leitor a visitar cada um dos 19 cômodos do imponente castelo deixado por Manuel Bandeira, e mais o anexo erguido pelo próprio autor da antologia. E tudo isso com arguta observação e familiaridade de guia, orientando os visitantes sem interferir na percepção de cada um.

Nos estudos críticos que prefaciam cada um dos capítulos do livro, Ivan Junqueira esquadrinha minuciosamente as influências de Bandeira desde o parnasianismo até o romantiso alemão, passando pelo lirismo quinhentista de Portugal, o simbolismo francês de inspiração verlainiana e impregnada de acordes de música clássica, perceptíveis no ritmo singular dos versos. Porque o próprio poeta acreditava que “o bom fraseado era aquele em que cada palavra tem uma função precisa, de caráter intelectivo ou puramente musical”.

No prefácio, Junqueira informa que o propósito da obra é reviver Manuel Bandeira às atuais gerações, que parecem “algo indiferentes (ou mesmo omissas) à sua fecunda e generosa lição”, e denuncia a sua própria admiração pelo poeta que, “poeticamente sendo o mais culto da sua geração, senhor de todos os recursos da literatura, conseguiu dizer tudo com um mínimo ou quase nada”: “A Manuel Bandeira, mais do que a qualquer outro, deve a nossa poesia sua revivência e reconhecimento definitivo nos quadros da literatura contemporânea”.

Espera

Desde os 18 anos, quando contraiu tuberculose, Manuel Bandeira aguardava a morte. Ela só viria aos 82 anos, mas marcou profundamente toda a sua obra, toda mergulhada em tristeza e solidão. “Excluindo-se seus versos de circunstância, dos 344 poemas que nos deixou, nada menos que 115 registram o emprego de palavras pertencentes à área semântica contígua ou fronteiriça dos vocábulos “triste? e “tristeza?”, descreve Junqueira. “Talvez por isso os versos de Bandeira revelem também um certo fascínio pelas reminiscências da infância, a única fase realmente feliz da sua vida”.

continua após a publicidade

continua após a publicidade