Felipe Soares não consegue evitar a melancolia inerente em suas produções. DJ e produtor, com trabalhos com gente importante no hip-hop nacional, caso de Emicida, Ogi e atualmente Rael, ele se abastece da tristeza do soul mais dolorido, do jazz choroso, para produzir seus beats. “É o rap fino, como gostam de chamar”, diz o paulistano de 31 anos.

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É o rap fino que transborda tons opacos e em batidas vagarosas em Últimos Melhores Dias, o disco de estreia do produtor, que começa a chegar, nesta segunda-feira, 14, aos meios de música digital, como streaming e download. O formato físico deve chegar em breve, mas não há data definida.

Soares se abasteceu do soul e do jazz desde os primeiros passos para dentro do rap. Frequentava sebos atrás de discos e trechos que poderiam ser sampleados e acompanhar novas rimas – e estudar aqueles que já eram usados. “Quando chegava nas músicas de origem daqueles samples, ia mergulhando nesse mundo de soul e jazz”, ele explica. O gênero o levou para uma trilha de experimentalismos. Trabalhava como office-boy na época, sempre acompanhado de um walkman. Na sua fitinha cassete, alternava raps clássicos com as novas descobertas, tais como Al Green e Barry White. “Naquela época, entrei a fundo nesses dois gêneros. Ficava procurando novos discos, queria conhecer mais e mais.”

A ideia de um disco próprio, tal qual faz o norte-americano Flying Lotus, é dessa mesma época. Em 2003 ou 2004, ele não se recorda com precisão, a vontade já existia. A carreira de Soares, contudo, seguiu por outro caminho. Conheceu o grupo de rap Clã Leste, a quem chama de professores até hoje. Passou alguns anos “aprendendo” com eles, até ser chamado para ingressar no grupo de vez. “Foi um período de ir treinando, testando”, explica Soares.

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Em 2010, na mixtape de Emicida, quando o rapper estava prestes a estourar a bolha e cair nas graças do mainstream, onda surfada por ele com maestria até hoje, Soares produziu Não Vejo a Hora, faixa que encerra Sua Mina Ouve Meu Rep Também. Dois anos antes, havia produzido algumas canções para Nathy Mc. Soares manteve a cabeça ocupada. E os toca discos, girando.

Encontrou o estilo próprio ao reduzir as batidas por minuto. Confessa que até hoje tem dificuldade em criar beats mais energéticos, dos dançantes aos furiosos, no flerte do hip hop com o hardcore. Seu som navega pelas harmonias vagarosas, de graves ponderados. Nada é apressado. Últimos Melhores Dias transpira a movimentos lentos, cadenciados na inspiração de Marvin Gaye. Há, entre as oito faixa do disco, uma canção chamada Marvin Gaye Interview, na qual Soares transforma em canção uma entrevista antiga do cantor morto em 1984, aos 44 anos. “Amor é miserável. Casamento é miserável. Sexo é ótimo”, brinca Gaye.

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O disco é curto. São 21 minutos para retratar a personalidade artística de Soares. Metade das músicas é instrumental – a outra traz vocais. Soares não canta, mas traz companheiros de rap, como Henrick Fuentes e Victória Lucato (em Pai), Caio Pimenta Neri (Hora Certa), DonCesão (Komo) e Luana Gaudy (O Vento). Dessas, compôs O Vento, uma balada triste, de despedida.

Impensável, diz Soares, não abordar amor e melancolia neste disco. “São canções que venho reunindo há muito tempo”, diz ele. “Desde 2008, até outras realizadas pouco antes de entrar em estúdio. Então, não se trata de uma fase da minha vida, não. Acho que meu aprendizado musical sempre envolveu essa melancolia. Costumo gostar desse tipo de som”, argumenta.

Em 2014, com o disco já gravado, ele foi diagnosticado com embolia pulmonar, foi internado e ficou entre a vida e a morte. “Quando saí do hospital, fiquei com aquilo na cabeça. Poderia ter morrido”, explica, sobre o título escolhido. “Tudo bem sentimental, como bom pisciano.”