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Diversidade chega às passarelas e impulsiona novos debates na moda

Primeiro vieram as cotas e as negras aos poucos foram surgindo nas passarelas dos estilistas brasileiros. Depois o leque se abriu. Vieram as curvilíneas e maduras, amputadas, trans, albinos e retintos, meninos e meninas com gêneros e aparências pouco convencionais, de etnias e biotipos “fora do padrão”. Na moda e nas passarelas de agora, todos são bem-vindos.

O movimento que vinha ganhando manifestações pontuais em desfiles alternativos, como os de Rick Owens e Vetements, em Paris, e de Uma, Ronaldo Fraga, Fernanda Yamamoto e Amapô, no Brasil, ganha novo impulso.

“A representatividade está aqui. Não existe mais uma comunicação unilateral em que só as marcas e editores são ouvidos. Agora o público também é e causa um burburinho tremendo nas redes”, afirma o diretor de castings Bill Macintyre, que esteve por trás de três desfiles que levantaram a bandeira da pluralidade no último mês.

Foi o caso das apresentações de moda praia da Água de Coco, da megarrede de fast-fashion Renner, e da À La Garçonne (ALG), de streetwear. São três marcas com perfis e públicos bastante distintos, mas um engajamento parecido. E suas passarelas comunicam essa postura mais flexível.

“Não existe mais fazer maiô só para gente magra e perfeita. Todo mundo é igual, então precisa ter essa inclusão”, explica a estilista Liana Thomaz, da Água de Coco. “A gente sempre teve essa preocupação, mas, como o mundo está mudando muito, quisemos colocar isso em evidência”, completa ela. Investindo nessa mesma pluralidade, mas com uma abordagem diferente, o empresário Fábio Souza, da ALG, é outro que gosta de ter figuras incomuns em seus desfiles. “Não são belezas óbvias, são pessoas com muita personalidade. É importante representá-las da forma como elas querem ser vistas”, fala.

Nem todo mundo, entretanto, vê apenas um lado positivo nessa inclusão, que vem despertando discussões em torno de questões variadas. Uma delas é burocrática, uma vez que parte desse elenco de gente “normal” é formada por pessoas que não são modelos profissionais e a atividade exige a emissão de um documento, o DRT, pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões (Sated). “Pela lei, é proibido desfilar sem registro profissional. Isso é muito comum na moda, mas é horroroso”, declara Dorberto Carvalho, presidente do Sated-SP.

Outros veem na situação a abertura de uma brecha para negociações livres de regulação e sujeitas a acordos desvantajosos para “não modelos”. Parte deles está disposta a abdicar do pagamento em dinheiro pelos serviços ou a receber o cachê em produtos (no caso, roupas de grife). “O que acontece é que muitas pessoas tentam se aproveitar dessa situação para não pagar”, aponta um integrante de uma agência que pediu para não ser identificado.

A questão é controversa. O Sated estabelece um valor mínimo de R$ 800 mais 20% de comissão da agência. No caso de “não modelos”, considera-se o fato de que eles exercem outras profissões e tratam essa “participação especial” como uma realização pessoal. “Não sou modelo, aconteceu essa surpresa da melhor forma possível na minha vida, vinda das pessoas e da marca que eu mais admiro e acompanho nos últimos anos! Só posso dizer que foi uma p… honra!”, escreve a analista de redes sociais Mallu Damasceno, uma das convidadas do desfile da ALG, em postagens no seu Instagram.

Não é raro ouvir relatos de modelos que, em início de carreira, desfilaram sem receber cachê em troca da exposição proporcionada pelo trabalho. “Antigamente, era mais comum, as pessoas faziam mais desfiles de graça”, conta Anderson Baumgartner, que atua no ramo há mais de 20 anos e é dono da agência Way, representando tops como Alessandra Ambrósio, Carol Trentini e Marlon Teixeira. “Não acho normal uma modelo trabalhar sem ser paga, mas não condeno quem faça. É um comum acordo. O cliente nunca vai dizer depois do desfile que não tem cachê”, avalia.

Para Daniela Falcão, diretora-geral das Edições Globo Condé Nast, que edita as revistas Vogue e GQ, a relação do trabalho das modelos deve se manter no âmbito profissional, seja nos editoriais de revistas ou nos desfiles, sobretudo agora que as diferenças se impõem e que a moda busca incorporar e dar visibilidade à diversidade de corpos e etnias.

“É claro que a intenção da À La Garçonne não foi a de não pagar por um serviço (trazendo ‘convidados’ para sua passarela)”, diz. “O que ocorreu no desfile da marca (o sindicato recebeu denúncias de trabalho não remunerado e baixou por lá) deve servir como lembrete sobre os ajustes necessários. Uma coisa é apresentar personagens da moda, contando sua história de vida e de seu estilo, como fazemos nas revistas. Outra é requisitar modelos em agências alternativas que oferecem castings menos homogêneos e não acertar cachê”, diz ela.

“Tirando casos pontuais, nos quais amigos e clientes se oferecem e se divertem atuando como modelos, acho que os contratos precisam continuar valendo. Assim, a moda pode efetivamente oferecer trabalho para gente nova.”

No último desfile de Alta Moda da Dolce & Gabbana, a aristocrata Lady Kitty Spencer, sobrinha da princesa Diana, estreou na passarela, seguida pela chef britânica negra Emma Weymouthbas. A modelo canadense Maye Musk, de 70 anos, mostrou uma túnica florida e a belíssima Ashley Graham, diva do plus size, encarnou a mamma italiana. “A moda não veste só modelos, ela veste diferentes tipos de pessoas. Por isso, fizemos questão de chamar amigos, personalidades de outros mundos, gente de diversos tipos”, diz Domenico Dolce. “A ideia de o estilista ditar a moda sozinho, usando modelos sem personalidade que não têm nada a dizer para apresentar essas roupas, está ultrapassada”, finaliza Stefano Gabbana.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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