Começa e termina com cenas de filmagens. O longa de Olivier Dahan que abriu nesta quarta-feira, 14, o 67.º Festival de Cannes chama-se Grace: A Princesa de Mônaco. O diretor de Piaf – Um Hino ao Amor fixa-se num fragmento da vida de sua personagem, mas é um momento decisivo, que parece resumir a vida toda.

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Em 1961, cinco anos após o casamento do século com o príncipe Rainier III, o diretor Alfred Hitchcock visita sua pupila em Mônaco e lhe oferece o papel de protagonista num novo filme que pretende fazer, Marnie – Confissões de uma Ladra.

Na verdade, Hitchcock somente contactou Grace por telefone e não foi lhe entregar pessoalmente o roteiro. É uma licença de Dahan para que o irônico Hitchcock desmonte com sua irreverência o protocolo que sufoca a estrela convertida em princesa. E também para que, com duas ou três observações certeiras, ele denuncie a ditadura dos finais felizes dos contos de fadas.

Na vida, pelo menos, o de Grace não comporta o tradicional “… E viveram felizes para sempre”. O período focado não cobre somente a crise do casal Grace/Rainier pelo desejo dela de voltar ao cinema. Também cobre a crise entre Mônaco e a França, quando o General De Gaulle deu seu ultimato a Rainier. Ou os locais começavam a pagar impostos para a França ou De Gaulle invadiria o menor país do mundo com suas tropas, anexando o principado. A solução veio por meio de um golpe de mestre da princesa, e num baile. Na ficção de Dahan, De Gaulle vai ao baile porque, como diz o diretor, ele precisava, do ponto de vista dramático, ter os antagonistas na mesma cena. Não foi assim na realidade. De Gaulle não foi, como Hitchcock também não.

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Dois detalhes que não são, nem de longe, insignificantes, como se Olivier Dahan quisesse nos dizer alguma coisa sobre sua ficção inspirada em fatos. Numa cena, e tentada pela ideia de voltar ao universo dos filmes, Grace ensaia uma cena de Marnie. É justamente aquela em que a protagonista – frígida – tenta conter o avanço do homem com quem acabou de se casar. “Não me toque”, ela grita. Dentro da estrutura de Grace, é como se a própria Grace estivesse querendo manter o príncipe à distância. Entre ambos, há uma figura decisiva – o confessor, o Padre Tuck. É ele, como um diretor de cinema, quem vai orientar Grace para seu maior papel – o de Sua Alteza Sereníssima.

Grace: A Princesa de Mônaco é sobre uma mulher que, por amor, renuncia ao cinema, mas não ao gosto pela representação. Maria Callas, que diz que recusou o ultimato de Onassis – como artista, não poderia renunciar a cantar -, percebe quando e como Grace tem a atuação de sua vida, e aplaude. Ela representa. Nunca sabemos se essa mulher amou aquele homem, ou se tratou de tornar convincente o papel maior de sua vida que havia aceitado. Isso e a teoria da conspiração – a irmã que teria traído Rainier, de olho no trono – explicam as reticências da família real de Mônaco ao filme de Dahan, que não é realmente muito lisonjeiro.

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Nicole Kidman disse que estudou filmes para captar a exterioridade dessa mulher – a interioridade é outra coisa. Tim Roth disse que não encontrou muito material filmado sobre o príncipe Rainier e foi melhor assim. Pôde criar o personagem como o via. E Dahan? Sua dor de cabeça parece que está terminando. O diretor anunciou ontem que não existem duas versões do filme – a dele, que abriu Cannes, e a dos irmãos Weinstein. Eles não produziram Grace: A Princesa de Mônaco, mas têm os direitos de distribuição internacional. Ameaçaram retalhar o filme e, no caso de a lei francesa de copyright beneficiar Dahan, sugeriram que talvez nem o lançassem.

Dahan, anunciando que um acordo foi feito e o caso, resolvido, deu conta de que terminou capitulando. Ajustes serão feitos de comum acordo, ele disse. Com os Weinstein? É difícil precisar quem inventou quem – se os Weinstein, Quentin Tarantino ou Tarantino, os Weinstein. Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Bastardos Inglórios. É preciso ser um trator como Tarantino para fazer frente aos Weinstein. Eles invariavelmente conseguem o que querem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.