As fraturas da História são as que mais interessam a Péter Forgács. Talvez o nome não seja muito conhecido por aqui, embora alguns dos seus filmes já tenham sido exibidos no Festival É tudo Verdade, um evento dedicado aos documentários. Ele é tema da mostra “Péter Forgács: Arquitetura da Memória”, que começa hoje no CCBB e traz um panorama bastante amplo do trabalho desse cineasta húngaro.
Na retrospectiva, destacam-se as obras que o tornaram internacionalmente conhecido, a série, composta de 15 filmes, “Private Hungary”. Forgács é um arqueólogo. Trabalha com filmes caseiros e found footages (filmes descobertos). Materiais deixados por amadores, que registravam o seu dia a dia em pequenas câmeras e guardavam lembranças de casamentos, viagens, festas de família, um nascimento, mortes – o desenrolar da vida cotidiana. Como muitas dessas filmagens se realizaram entre os anos 1920 e 1930, são imagens que parecem felizes e descuidadas, sem que nelas se pressentisse a armadilha da História, prestes a se fechar sobre os personagens.
É assim, por exemplo, em “The Bartos Family”, sobre a família dizimada pelo Holocausto, registrada em seus filmes domésticos que vão de 1920 a 1960. Mesmo caso de “O Turbilhão – Uma Crônica Familiar”, sobre os Peereboom, uma família holandesa, em filmagens realizadas antes e durante a 2.ª Guerra Mundial. São filmes de poucos diálogos, até mesmo pela natureza da técnica empregada. Em “O Turbilhão”, as imagens são acompanhadas por alguns poucos textos explicativos e a maravilhosa música de jazz composta por Tibor Szemzö. Vemos as festas, o casamento, o nascimento do bebê, a vida tranquila até a ascensão do nazismo, a invasão da Polônia e, em seguida, da Holanda e outros países. Há mesmo cenas das mulheres se preparando para serem transferidas a Auschwitz, como se fossem para uma viagem qualquer. É tocante.
O tema da perseguição aos judeus aparece o tempo todo, e de formas diferentes. Se, em alguns casos, temos a crônica familiar, em outros é a aventura coletiva, como em “O Êxodo do Danúbio”, sobre a saída dos judeus da então Checoslováquia pouco antes da guerra. Em dois barcos, um grupo de 900 pessoas tenta alcançar o Mar Negro através do Danúbio e de lá chegar à Palestina. No caso, os filmes utilizados por Forgács foram os do capitão de um dos barcos, Nándor Andrásovits.
A disposição de Forgács, conforme nota Bill Nichols em seu livro “Introdução ao Documentário”, não é fornecer uma explicação totalizante sobre a guerra, nem mesmo polemizar ou fazer um discurso humanista. Procura apenas entender a percepção das pessoas que viviam aqueles momentos, por meio dos próprios registros que elas deixaram. Em “Êxodo do Danúbio”, por exemplo, ele sugere que a guerra, para seus participantes, foi um enorme fluxo de pessoas, através de vários países. Êxodos civis, casos de perdas de raízes locais e de referências. Conforme diz Nichols (que estará hoje em São Paulo, debatendo com Forgács após a sessão das 18 horas), o cineasta não quer impor nada – deseja apenas que o espectador tire as suas próprias conclusões a respeito do que vê na tela.
Mesmo porque, embora se concentrando sobre a questão judaica e a experiência da 2.ª Guerra, o universo de Forgács contempla outras variantes. Em “El Perro Negro” são as lembranças da Guerra Civil Espanhola que vêm reapresentadas sob ângulo novo, como conflito entre o Norte desenvolvido e o Sul semifeudal. “Tractatus de Wittgenstein”, compõe-se de sete filmes ensaios que, através de imagens domésticas, procuram comentar e discutir as ideias do filósofo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Péter Forgács: Arquitetura da Memória – CCBB (R. Álvares Penteado, 112). Tel. (011) 3113-3651. R$ 4. Até 26/2. Programação: klaxon.art.br/peterforgacs