Numa entrevista por e-mail, o diretor de The Rover – A Caçada, David Michôd, não apenas respondeu às perguntas sobre seu belo filme em cartaz em apenas uma sala (no Belas Artes), como terminou fazendo uma confissão. Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, é o filme de sua vida. “A Big Glorious Masterful Mess”, uma obra gigantesca e uma confusão de mestre. “Foi o filme que me fez querer ser cineasta.” Nada mais diferente que a subida rio acima de Willard em busca do mítico Coronel Kurtz que a caçada humana de The Rover. Mas numa coisa os dois filmes se assemelham. Michôd também retrata um mundo pós-apocalíptico, mesmo que, no filme dele, os indícios sejam de um apocalipse econômico.

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Austrália, estrada, um mundo de sobreviventes duros – Mad Max, a série de George Miller com Mel Gibson nos anos 1970/80, foi algum tipo de influência para ele? “Não, embora eu também tenha visto os filmes. Se houve alguma influência, foi totalmente inconsciente. A verdade é que, se você põe carros correndo no deserto da Austrália, todo mundo, automaticamente, pensa em Mad Max. É a prova de que aqueles filmes permanecem vivos no imaginário de muita gente.” The Rover conta a história de um homem que persegue o trio que roubou seu carro. No caminho, ele sequestra o irmão de um dos fugitivos. Guy Pearce faz o caçador e Robert Pattinson – da série Crepúsculo – é o refém.

Rey é seu nome e ele é frágil. Um homem ferido (na alma). Eric (Pearce) o atormenta. Diz que ele foi abandonado pelo irmão mais velho. Rey poderia ser o elo fraco do filme, estando ali para provocar uma reação sentimental do público, ainda mais sendo o ator quem é. Mas Michôd e Pattinson evitam essas armadilhas. A relação de Rey e Eric já estava completamente traçada no roteiro, ou houve espaço para que os atores improvisassem e colocassem algo mais na tela? “É por isso que eu gosto tanto de trabalhar com atores, e também é por isso que o casting, o processo de seleção do elenco, é tão importante”, esclarece o diretor. “Eu sabia exatamente o que queria desses personagens, e da ligação entre eles, mas uma coisa é ter o filme na cabeça. Essas coisas só se tornam reais na tela quando você tem atores talentosos que vestem a camisa e enriquecem os personagens.”

Michôd conheceu Robert Pattinson antes de sequer pensar em fazer The Rover. “Achei-o inteligente, fascinante e um cara capaz de correr riscos. Quando The Rover começou a nascer, imediatamente dei-me conta de que ele poderia ser um grande Rey. Enviei o roteiro a seu agente, Robert aceitou fazer o teste sem nenhum estrelismo. Foi persuasivo, explosivo. Seria louco, se não o contratasse. Simples assim.” O filme participou da seleção oficial do Festival de Cannes deste ano, com direito a tapete vermelho nas sessões da meia-noite. Pattinson estava em dois filmes – The Rover e também Maps to the Stars, de David Cronenberg (com quem já havia trabalhado em Cosmópolis), na competição. A amada do vampiro Pattinson em Crepúsculo – Kristen Stewart – estava em outro filme da seleção – Sils of Santa Maria, de Olivier Assayas.

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Ao contrário do lobinho Taylor Lautner, que persegue uma carreira de ação, Pattinson e Kristen têm sido mais exigentes, fazendo incursões pelo cinema de autor. Ela estava ótima em On the Road, de Walter Salles, inspirado no livro de Jack Kerouac que se transformou no farol da beat generation. Caia na estrada em busca de você mesmo.

“Imaginava que a presença de Robert poderia provocar furor no tapete vermelho, mas foi tudo muito além. Era ao mesmo tempo divertido e assustador.

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A histeria do público e dos fotógrafos por ele me produziu vertigem. Tive engulhos. Tive medo de vomitar, no meio daquele turbilhão.” Como a dupla principal – Pearce/Pattinson -, a paisagem é decisiva em The Rover. Vira personagem. É bela, mas desolada. Ao escrever o roteiro, Michôd já sabia onde queria filmar? “Tinha, sim, algumas paisagens na cabeça, mas depois de concluir o roteiro e, ao iniciar a pré-produção, tive de sair para um trabalho de campo. Não foi fácil encontrar paisagens que batessem com aquelas que havia imaginado. Terminei encontrando o cenário perfeito ao norte de Adelaide, numa região chamada de Flinders Ranges. A Austrália é muito grande e tem paisagens muito diversas. Mesmo que demore, não é impossivel encontrar aquilo que se pretende.”

Havia, em Cannes, este ano, outro filme de caçada humana – The Salvation, de Kristian Levring, com Mads Mikkelsen. Outro filme de paisagem, mas esse um western – realizado por um dinamarquês -, sobre homem que vinga a morte de sua mulher e passa a ser caçado pelo bando selvagem do qual fazia parte o assassino. “Ouvi falar bem, mas no burburinho de Cannes não tive tempo de ver”, diz Michôd. Dois filmes em que o forte não é propriamente a originalidade da história. Você já viu tramas similares de perseguição. Mas, então, o que havia de atraente para que Michôd quisesse tanto fazer The Rover? A resposta aponta para o que une o filme atual e o anterior do cineasta, Reino Animal. “Foram as pessoas. Para mim, nunca foi uma história de vingança. Mesmo nas mais violentas circunstâncias, é próprio do humano sentir necessidade de se conectar com o outro. Toda a intensidade que busquei em The Rover vem daí. Vivemos num mundo paranoico, estimulados a desconfiar do outro e até a odiá-lo. Nada me comove mais do que a aceitação de que precisamos do outro.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.