Anita Zippin

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Acordei eufórica, mais alegre do que o normal.

Motivo? Eu deixo para obter a resposta durante o dia. E, sempre sei o porquê do que meus sonhos revelam.

Desta vez, estava eu na casa paterna, aquele palácio de madeira no Seminário, onde éramos seis felizes filhos, um papai, uma mamãe e um montão de gente que ia ficando, quer para trabalhar, quer para morar e se encaminhar na vida.

Se era um reformatório?

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Pelo dom da palavra, sim. Diferente daqueles que abrigam contra a vontade filhos que ninguém quer, lá em casa, era como coração de mãe, sempre cabia mais um e, graças ao carinho recebido, todos reformavam o modo de encarar o mundo.

Se chegavam ariscos, com vontade até de passar a mão nas coisas alheias, logo entendiam que os bens eram de todos, bem como aprendiam que Dignidade e Bondade são moedas fortes, que abrem todas as portas, especialmente as do coração.

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Depois desta divagação, que o leitor nem é obrigado a ler, passemos ao meu sonho.

Estava minha eterna Lili, a mãe das mãos de ouro, a dos belos vestidos bordados para suas três filhas, a dos crochês e tricôs, a das belas decorações em almoço de domingo, a das telas deslumbrantes, na tradicional sala de costuras. Era um quarto quatro por quatro emoldurado por janelas que davam para imenso quintal carregado de frutas e flores.

Num canto estava uma máquina de costura, de onde minha mãe levava flores amarelas para enfeitar jarras e bacias, sua coleção naquela casa. No sonho, já tinham mais de seis vasos decorados, quando eu cheguei.

Ela me olhou com a mesma ternura de antigamente, começou a tirar os óculos e, enquanto vinha me abraçar, foi logo dizendo:

-Filha, estas flores são eternas!

Nisso eu acordei, em estado de graça.

Abraçar uma mãe que partiu há tanto tempo, ver que muitos raios de luz iluminavam aquela sala, não é para qualquer um.

Também não me sinto qualquer um, mas um ser privilegiado que teve os maravilhosos pais e irmãos, capaz de entender como poucos a alma de tantos e sentir, que lá do alto, vem através de mim,bons conselhos para os que estão aqui na terra, sejam eles autoridades ou não. E consigo acertar quase todos.

Bem, onde eu estava?

Ah! Estava na hora que acordei, que li o jornal e nem me lembrei do sonho, não fosse a empregada chegar. Para ela, resolvi decantar a imagem que recebi, ou que percebi, enquanto dormia.

Nisso… o telefone!

Era o Dálio Filho, quem ligou para me dizer:

-Parabéns, hoje nosso Dálio Pai faria 95 anos!

Brincamos sobre quem iria contar uma história dele em livro, e ele disse que as histórias que ele contaria seriam diferentes das minhas, porque as dele poderiam ter mulheres no meio.

Rimos a não mais poder e eu segui para o Tribunal de Justiça, onde trabalho.

Fui em busca do que há de mais perto deles. A Sala da Ordem dos Advogados, a primeira no Brasil, fundada pelo meu progenitor, um idealista que sustentou um espaço por três anos, até que a instituição OAB-Paraná oficializasse o seu ideal.

Lá está a Pedrina, uma das pessoas que veio para a nossa casa paterna e foi ficando, há décadas. Ela quem arrumava a cama de dormir da Dona Lili, os armários, levava o leite antes da ?nossa? mãe dormir. Também ela quem cultua até hoje a Família Zippin, sem perceber na sua modéstia, que ela é uma das maiores flores desta vida.

Como sinal da presença de meu pai naquele ambiente, vem o advogado Edgar Cavalcanti de Albuquerque me cumprimentar, e falamos da amizade de nossos pais.

Ele contou que Dálio Pai fez discurso no enterro do pai dele, dois meses antes de meu pai partir, e contou hoje que meu pai ficou tão emocionado, que nem conseguiu concluir as palavras de despedida do amigo.

Falamos do aniversário, bem como dos laços de ternura que unem há tanto tempo as famílias, hoje nós recebendo os frutos da amizade plantada pelos nossos pais.

Poderia ser o Edgar, advogado de trincheira, grande presidente da Ordem dos Advogados onde o pai era atuante, bem como era o presidente do Graciosa Country Club, quando num 17 de outubro de 1981, dia do meu aniversário, meu pai teve enfarte fulminante e partiu como queria, num sábado, para não incomodar aqueles que poderiam gastar ônibus para ir ao seu enterro, porque só saberiam no jornal de segunda-feira. Também foi rápido porque não gostaria de ver os familiares ao redor, todos sofrendo. Foi cedo, 69 anos, mas ele mesmo dizia:

– De velho a gente tem pena, de burro a gente tem raiva!

Ainda não estava convencida de que era este o sinal de que, de alguma forma, pais e filhos se encontram.

Entrei uma sala suntuosa, parecida com aquelas revistas de decoração e lá estava um desembargador, uma pessoa especial, quem tanto prezo há muito tempo, um verdadeiro irmão. E, em tom de alegria, contei porque era aquele meu acalorado bom dia!

Conversamos, ele a contar de seus pais. Eu a contar dos meus. Ele a sorrir com a mesma bondade do meu progenitor. Eu a me emocionar da mesma forma que minha mãe se despedia, diariamente, de meu pai.

E o diálogo foi além-mundo, subiu até as estrelas, abraçou a lua cheia, e foi descendo pelo arco-íris, até a terra. Mais precisamente, até aquela sala, igual a tantas outras belas, mas especial. Já com os pés no chão, veio a emoção.

E as lágrimas desta filha, saudosa do pai, vieram em harmonia, como uma castata para lubrificar a alma.

O gentil ouvinte procurou algo em seu bolso, como o fazia Dálio Pai. Eu não estava entendendo. Daí ele abriu uma gaveta e, de lá tirou um maço de lenço, cavalheirismo sem igual.

Mas, ainda tem gente assim, nesta Selva de Pedras?

Quando comentava sobre os sinais dos que partiram, que a gente deve ficar atenta, porque eles se manifestam através de uma flor, de uma música, de uma palavra, de um gesto, o espectador daquele momento de emoção estendeu-me uma caixa verde do Coritiba, seu time de estimação, e ofereceu o conteúdo para mim.

De dentro, pediu que eu escolhesse um doce, como o fazia meu Dálio Pai.

Eu agradeci mais uma vez os minutos que me dedicou, dizendo que não tem preço a amizade e a forma com que conseguimos conversar quando estamos na mesma sintonia. Despedi-me com o chocolate nas mãos e vim até minha sala, onde estava o meu computador a pedir que eu o acariciasse.

Enquanto ligava os botões… o sinal!

Ganhei um chocolate, daqueles que meu Dálio Pai sempre trazia da Kopenhagen, a maior bombonniére de Curitiba, para o grande amor de sua vida, nossa Lili.

Cherry Brandy!

Leitor, depois desta, ainda preciso explicar mais por que acredito que as pessoas que se amam ficam eternamente juntas?

Será que hoje tem festa no céu ?

Aqui na terra, sua Anitinha comemora aniversário, como se entre dois mundos não existisse limite – passado, presente e futuro pudessem unir tudo na recordação.

Afinal,?recordar é viver, eu ontem sonhei com você, Dálio Pai!

N.A.: dedicado ao meu pai, advogado, humanista, universalista Dálio Zippin, que partiu desta para outra vida há 26 anos, no dia do meu aniversário.