Grande protagonista da peça Mãe Coragem e Seus Filhos, Anna Fierling é uma figura tão contraditória quanto admirável. A personagem despertou uma simpatia na plateia não planejada por Bertolt Brecht, na estreia da peça em 1949. Seu objetivo era criticar o fascismo e a destruição da guerra. É nesse cenário hostil, ambientado na Guerra dos 30 anos, que a atriz Bete Coelho assume a combinação de bravura com inconsequência dessa rara guerreira no espetáculo Mãe Coragem. “Ela conseguiu transcender o autor”, afirma ela.
Produção grandiosa em cartaz no Sesc Pompeia e dirigida por Daniela Thomas, a peça escrita pelo alemão no início da Segunda Guerra Mundial aponta, em sua narrativa, para o histórico conflito de católicos e protestantes europeus, no século 17, que deixou 8 milhões de mortos.
No meio dessa desolação, Anna Fierling, batizada de Mãe Coragem, vive e lucra. Com sua carroça e um destino selado, ela tropeça pelos fronts, acompanhada dos três filhos, Eilif, Queijinho e Kattrin, para lucrar com a venda de objetos. “Ela não esconde que ama e odeia a guerra, com a mesma força”, conta Bete. Seu apelido é como a medalha de uma mulher que se arriscou, mesmo que não tenha ganhado muito com isso. “Ela é o exemplo de um ser capaz de tomar apenas péssimas decisões”, define Daniela.
Mas a mulher não é a única que tem que se contentar com migalhas distribuídas nas três décadas de conflito. O capelão (Ricardo Bittencourt), a prostituta Yvette (Amanda Lyra) e os soldados lamentam, mas confessam as vantagens obtidas nesta paz armada. “Brecht já criticava ali o fascismo, que retira as individualidades e suspende os direitos”, afirma a atriz.
Na cena em que o filho do meio é capturado pelos soldados, Mãe Coragem precisa negociar a soltura do rapaz nos termos dos oficiais. Em seu modelo de teatro, Brecht concebia cenas como essa para despertar a reflexão crítica na plateia. Para garantir o efeito de distanciamento, ele programava a própria cena para “lembrar” o público de aquilo não era um drama. “É por isso que quando a Mãe Coragem fala ‘A corrupção é nossa única esperança’, é como se ouvíssemos Brecht dizer pela boca dela”, defende a atriz.
Para a diretora, a peça já antecipava tempos tenebrosos, que sempre retornam. “É cíclico como o humano pode nos levar para lugares horríveis.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.