Aos 65 anos, o jornalista americano William Finnegan é um homem tranquilo – relaxado até demais para quem já fez reportagens em lugares conturbados, como África do Sul, nos anos 1980, ou, mais recentemente, na Venezuela e no México e seus cartéis da droga, onde foi ameaçado de sequestro. O segredo, que ele mantinha bem guardado, foi revelado quando publicou um livro que ganhou enorme projeção no ano passado, ao ser premiado com o Pulitzer de biografia: Dias Bárbaros – Uma Vida no Surfe, publicado agora pela Intrínseca.

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Trata-se de um delicioso relato autobiográfico que, mesmo quem nunca se equilibrou em uma prancha, devora com atenção. Isso porque, ao falar de sua descoberta do esporte, como membro de uma gangue de meninos brancos de Honolulu, Finnegam sobrevoa os principais problemas mundiais dos anos 1960 e 70, como a Guerra do Vietnã, configurando o relato em um road movie literário.

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“Sempre fui tímido para falar sobre o fato de ser surfista há mais de 50 anos”, contou ele ao jornal “O Estado de S. Paulo”, na manhã desta quinta-feira, 27, em Paraty, chinelos recém-comprados, bermuda, camiseta folgada. “Tinha medo de não ser mais levado a sério – imaginava o encontro com algum político que vinha criticando e ele me olhasse com aquele sorrisinho malicioso no canto da boca.”

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Finnegan é um dos destaques da 15.ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que acontece até domingo – na noite desta sexta, 28, ele divide uma mesa com Deborah Levy, sobre os motivos que os levam a escrever. Do ponto de vista do americano, é a sensação de liberdade. “Foi muito estimulante contar a minha história sem ter o cuidado na escolha das palavras, como quando faço minhas reportagens e perfis”, conta ele, repórter da prestigiosa revista New Yorker.

Na verdade, o cuidado foi outro: relatar histórias envolvendo amigos e familiares sem ser traído pela memória e, com isso, magoar pessoas. “A escrita incluiu negociações, nas quais conversei com muita gente, checando dados e fatos.” Finnegan lembra-se de um relato preciso feito por uma amiga, que garantia ainda que ele não estava presente no fato. “Eu sei que estava, mas os detalhes que ela me apresentou foram fascinantes demais para não usar.”

Finnegan não deixa de surfar por onde passa e, em sua primeira vez no Brasil, foi aconselhado a pegar ondas em Ubatuba. Mesmo sem sua prancha habitual, ele se animou a conhecer as águas paulistas. Como ignorante confesso sobre surfe, o repórter pergunta qual é a diferença entre encarar a morte diante do cartel mexicano de drogas ou ficar empoleirado em uma grande tábua num mar revolto. “Estar na Somália ou no México, no meio de um tiroteio, provoca absolutamente o mesmo temor que tentar ficar em pé numa prancha no meio de uma onda gigantesca”, responde. “Acima de tudo, o importante é manter o controle sobre você mesmo. O oceano pode te surpreender a qualquer momento – por mais que você o ame, a recíproca não é verdadeira. E a violência humana também é imprevisível, pois nunca se sabe de onde pode vir a bala fatal.”

O repórter surfista (aqui, no caso, o surfista repórter) discorre com um imenso prazer sobre a onda perfeita (ela existe, mas de diferentes formas) e, embora se considere de outra era, aquela em que o surfe não era ainda um esporte, ele acompanha os profissionais da área. Elogia, por exemplo, o brasileiro Filipe Toledo e sua radical ascensão na prancha: “Sua performance é incrível. Filipe é dono de um belo estilo”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.