Será na noite deste sábado, 29, a atribuição do Urso de Ouro e demais prêmios da 70ª Berlinale. Quais serão as escolhas do júri presidido pelo ator Jeremy Irons e integrado, entre outros, pelo diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho? Havia muita expectativa pela seleção deste ano, a primeira assinada pelo novo curador do evento, o italiano Carlo Chatrian, ex-Festival de Locarno. Por quase 20 anos, de 2001 a 2019, Dieter Kosslick fez curadoria que privilegiava a política, às vezes em detrimento da estética. A crítica francesa, leia-se Cahiers du Cinéma, sempre foi dura com ele. Chatrian buscou um equilíbrio – uma seleção política, sim, mas de recorte bem autoral, e com novas proposições de linguagem.

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Não foi uma seleção nota 10. Foi irregular com raros filmes grandes. O cinema brasileiro participou da competição com Todos os Mortos, de Marco Dutra e Caetano Gotardo – perfeitamente defensável, mas não empolgante. Os asiáticos brilharam, mas é pouco provável que levem o Urso principal.

A pesquisa de tempo do malaio Tsai Ming-liang é muito radical, por mais belo que seja Rizi/Dias, e o tipo de cinema dialogado do sul-coreano Hong Sang-soo não atinge todos os gostos. Como sempre, ele mostra pessoas conversando, aqui, mulheres. Elas não bebem tanto, como os homens nos filmes anteriores; a câmera desestabiliza o quadro com movimentos bruscos de zoom. The Woman Who Ran é belíssimo, mas talvez seja um biscoito fino demais – como o Tsai.

Há uma torcida pelo russo DAU. Natasha, da dupla Ilya Khrzhanovsky e Jekaterina Ortel, que tem cerca de três horas e demora hora e meia para começar a fazer sentido – houve uma debandada na primeira apresentação, e só depois a polêmica trouxe o público de volta para novas sessões. Uma possível vitória do norte-americano Never, Rarely, Sometimes, Always, de Eliza Hittman – já premiado em Sundance -, seria palatável para toda a crítica. O filme é ótimo. Trata de um tema ainda tabu, por meio da história dessa garota interiorana, de Massachusetts, que viaja a Nova York com uma amiga, para fazer um aborto. Narrado com economia e segurança – mais indie, impossível -, o filme deve muito a suas atrizes, Sidney Flanigan e Talya Ryder. Pode até não ser o grande vencedor, mas, com toda certeza, não será esquecido.

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Na sexta, 28, passaram os dois últimos filmes da competição. Chatrian já advertira. “Os filmes da competição contam histórias íntimas, impressionantes, individuais e coletivas, que ganham impacto com a interação com o público. Se houver predominância de tons escuros, isso pode ser porque os filmes que selecionamos tendem a olhar o presente sem ilusão, não para causar medo, mas porque querem abrir nossos olhos para a realidade.”

Os dois últimos filmes da competição, exibidos ontem, cabem perfeitamente na advertência. Irradiés/Irradiated, do cambojano Rithy Panh, viaja nas grandes hecatombes do século passado – 1ª Guerra, nazismo, 2ª Guerra, Hiroshima, Khmer Vermelho – para refletir sobre a dor humana e o mal que os homens fazem a seus semelhantes. Imagens da bomba e o recitativo em duas vozes, homem e mulher, evocam o clássico de Alain Resnais, Hiroshima, Meu Amor, a quem Panh pagou tributo na coletiva. Ele não é só um grande cineasta. É um artista visual dos mais ousados. A forma como usa imagens de arquivo, música e palavra produzem um efeito tão hipnótico quanto terrorífico. Panh não quer perder a esperança, mas tenta permanecer realista – “O homem é a pior coisa da Terra” é uma de suas frases no filme. There Is No Evil, do iraniano Mohammad Rasoulof, narra quatro histórias em torno ao tema da moralidade e da pena de morte. São histórias de personagens confrontados com o dilema – devem ou não matar outras pessoas, mesmo condenadas legalmente? É forte, é impactante e deve sacudir até quem reza na cartilha do “bandido bom é bandido morto”.

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.