Namio Harukawa é um artista japonês que nasceu em Osaka em 1932 e está nas paradas.
O cara tem 78 anos. Seus desenhos ganharam as galerias ocidentais e inundam a internet.
Escrever sobre a arte de Harukawa é fácil, difícil é ilustrar o texto numa publicação não especializada.
De cada cem desenhos, dois ou três são publicáveis sem risco de enfrentar uma enxurrada de protestos dos defensores da moral impressa e dos bons costumes visuais.
Não que chegam a ser sacanagens em estado puro, explícitas, mas há, sempre, a possibilidade de puritanos ficarem chocados, embora na calada da noite muitos destes puritanos sejam mais safados que os safados de plantão.
Como diria o bardo de Stratford-upon-Avon, repetindo Terêncio, nada humano me é estranho. Mas Harukawa não precisava exagerar a dose. A obra do artista japonês tem cunho erótico e trata da perversão, um sadomasoquismo ligeiramente soft. Impressiona como Harukawa varia sobre o mesmo tema, como um bolero de Ravel.
Os desenhos trazem em primeiro plano mulheres gordas e dominadoras de rostos belos e altivos, corpos com mais curvas que a estrada de Santos e sempre rodeadas de homens raquíticos, subservientes, escravos amarrados em alguma gaiola, cadeiras ou mesas, quando não presos a uma guia com coleira de cão. Não há sutileza.
A maior parte dos desenhos é preta e branca, embora os em cores sejam tão interessantes quanto. Harukawa tem estilo característico que só de bater os olhos, o sujeito sabe de quem se trata. Coisa de bons artistas.
Em comum com o colombiano Fernando Botero, tem fixação em mulheres gordas. E para aí. Os homens são mirrados e parecem saírem de um campo nazista de concentração.
Nem parecem pertencer à mesma espécie de suas algozes, ora taradas, ora desdenhosamente sádicas. O certo é que os sujeitos estão sempre em situações humilhantes. Com o rosto sufocadamente enterrado nas pudendas, nádegas ou no que o populacho convencionou chamar de a ‘perseguida’ das donas.
Eles não aproveitam, são derrotados e fazem o que elas obrigam. Às vezes elas parecem gostar; às vezes, não. Raramente os rostos dos homens são vistos, por uma simples razão: estão enterrados nos corpos das carrascas.
Se patrões, empregados, professores, executivos, não interessa: todos são atraídos pela lei da gravidade sexual ou forçados pelas guias e coleiras a se ajoelharem e a prestarem reverência.
Umas urinam nos caras, outras os chicoteiam, outras cospem neles, outras os estapeiam, outras chutam, outras os usam como animais de carga, balanços ou banquinhos para sentarem seminuas enquanto comem, bebem, fumam, se maquiam, telefonam, conversam com amigas.
Enfim, numa atitude de total indiferença com aqueles tipos que têm apenas uma utilidade: serem humilhadosou eventualmente usados como desprezível objeto sexual.
Com um detalhe importante, quase nunca eles usam seus falos minúsculos diante dos genitais gigantes de suas opressoras. Harukawa é narrador visual de uma batalha na qual a mulher é antecipadamente vencedora.
Ele traduz uma espécie de complexo: os homens são doidos por mulheres, especialmente pelo sexo e traseiro das donas, e capazes de qualquer negócio. Então os desenhos mandam uma espécie de recado: que chafurdem, humilhem e não encham a paciência.
Elas sabem da atração que exercem e fingem gostar dos homens, mas usam seus atributos para dominá-los. O que mais apetecem às mulheres é tratá-los como tipos eventualmente úteis, mas descartáveis.
No fundo acham que são desprezíveis, objetos na melhor das hipóteses para serem pisados, urinados ou defecados. O artista japonês pega pesado com os homens e para isso usa mulheres exageradamente pesadas.
Mulheres pesadas batem forte, principalmente as gordas gostosas. Os homens não têm a menor chance no confronto. Homens frágeis e mulheres fortes, eis os elementos da arte da guerra sexual de Harukawa.
Algumas cenas chegam a ser repugnantes, o que enfatiza ainda mais o dilema para ilustrar um artigo sobre Harukawa. Homens com cabeças enterradas no traseiro das donas que passeiam como se o apêndice não fosse incôm,odo.
Em outros casos, as mulheres parecem más. Na maioria, são indiferentes. Em alguns desenhos colocam cães para observar homens humilhados por elas. Em outros, crianças – colegiais – observam assustadas de uma porta, descobrindo finalmente quem manda na área e que tipo de arma usa para dominar os homens.
Não há fronteira a superar neste relacionamento sádico entre mulheres fortes e homens bananas. A tortura é mero exercício de alguém que exerce o poder e tem direito sobre a presa.
No caso dos homens, não há uma placa piedosa dizendo para não maltratar os animais. Algumas donas sem demonstrar prazer, derretem cera quente na costa de um tipo, outra apaga cigarro no ombro de outro, muitos os utilizam como sanitários. O homem tem duas utilidades nos desenhos de Harukawa: servir de objeto ou uma espécie de servo sexual.
O mais curioso é que embora se trate de mulheres nuas, apareçam genitais femininos de mulheres gordas e voluptuosas, não se pode dizer que sejam cenas excitantes.
E também não chegam a ser em sua maioria, repugnantes: talvez a palavra exata seja chocantes, ligeiramente fetichistas, com uma dose de voyeurismo. Os parentes próximos de Harukawa são o Marques de Sade, Guido Crepax e o colombiano Fernando Botero, embora haja um pouco de Federico Felini em tudo aquilo e dos tradicionais desenhos eróticos japoneses.
Mas a humilhação e o desespero no tratamento da relação entre homem e mulher lembram outro japonês, o cineasta Nagisa Oshima em seus filmes O Império da Paixão e O Império dos Sentidos. Oshima não freia a corrida em direção ao prazer sexual sem limites, que termina invariavelmente com a morte.
Harukawa traduz o ritual, como congelasse o tempo numa atmosfera de campo de concentração doméstico, cuja ideologia dominante é a humilhação através do sexo. Tarados do mundo inteiro se uniram para entoar: Harukawa manja do negócio. Escrever sobre a arte de Harukaw
é possível, mas sobre o sujeito é complicado. Há pouco sobre ele na rede, a sua principal divulgadora, além de galerias ocidentais especializadas. Há confusão sobre data de nascimento que poderia ser 1932 ou 1947. Não há foto dele.
É o casode obra que corre rápida enquanto o autor não tem pressa de mostrar a cara. Algo parecido com o nosso Carlos Zéfiro. De qualquer forma, quem realmente seja, conseguiu feito admirável, criar neste mundo virtual algo que foge do tédio e da banalização.