Eduardo Moscovis ainda estava às voltas com o corrupto Reginaldo, de Senhora do Destino, quando recebeu o primeiro de uma série de telefonemas misteriosos de Walcyr Carrasco. Na secretária eletrônica, o autor de O Cravo e a Rosa e Chocolate com Pimenta, entre outras, dizia apenas: "O gato subiu no telhado". Sem decifrar o conteúdo enigmático das mensagens, Moscovis preferiu ignorá-las. Até que, um dia, Walcyr resolveu ser um pouco mais direto e o convidou para protagonizar sua próxima novela, Alma Gêmea, no papel do botânico Rafael. "Quando ouvi o primeiro recado, achei estranhíssimo e não dei a menor bola. Mas o Walcyr joga baixo e não consegui resistir…", brinca.
Logo, o ator começou a conciliar os últimos capítulos de uma novela com os primeiros de outra. Apesar do corre-corre, simplesmente não conseguiu dizer "não" para Walcyr. Afinal, foi ele quem deu a Moscovis a rara oportunidade de interpretar um tipo cômico na tevê, o matuto Petruchio, de O Cravo e a Rosa, de 2000. Cinco anos depois, o ator volta ao horário das seis e às novelas de época como o romântico Rafael, que perde a mulher Luna, interpretada por Liliana Castro, morta a tiros num assalto, mas acredita que ela tenha "reencarnado" numa bela mestiça de nome Serena, vivida por Priscila Fantin. "Sou do tipo que não desacredita de nada. Reencarnação, alma gêmea, pensamento positivo… Para mim, tudo é possível", garante ele.
Aos 37 anos, Moscovis festeja a chance de interpretar o que ele costuma chamar de outro tipo "torto" na tevê. Ao contrário dos galãs que marcaram o início de sua carreira na Globo, o ator não esconde uma certa predileção por papéis que o ajudem a desconstruir a imagem de bom-moço, como o machista Carlão, de Pecado Capital, o apalermado Petruchio, de O Cravo e a Rosa, e o corrupto Reginaldo, de Senhora do Destino. "Ao longo da carreira, tenho tido a sorte de viver personagens que não são necessariamente estereotipados como galãs. Honestamente, espero que continuem me chamando para papéis desse tipo. São os mais desafiadores", confessa.
P – A novela Senhora do Destino terminou há apenas três meses. O que motivou você a emendar um trabalho no outro?
R – Olha, contando ninguém acredita… Ainda estava gravando as últimas cenas do Reginaldo em Senhora do Destino quando comecei a receber os primeiros capítulos de Alma Gêmea. Eu lembro, por exemplo, do dia em que gravei a cena do apedrejamento do Reginaldo. Estava na maior adrenalina, gravando de muletas, quando recebi a visita de um maquiador da Globo, todo esbaforido, querendo falar comigo no camarim: "Du, trate de não cortar o cabelo, ouviu?". Depois, começou a fazer uma série de recomendações relativas ao visual do Rafael. Sem saber o que responder, virei para ele e pedi: "Meu amigo, mas eu ainda não morri! Deixa eu morrer primeiro, por favor, para a gente conversar sobre a outra novela…" (risos), Para se ter uma idéia, terminei de gravar no final de março e, no dia 1.º de maio, já comecei a gravar as minhas primeiras externas.
P – Mas o que o Walcyr Carrasco precisou fazer para convencê-lo a participar de Alma Gêmea?
R – Ah, o Walcyr é um safado, né? (risos) Ele é um sedutor, joga baixo… Na verdade, nós fizemos um trabalho juntos, o Petruchio de O Cravo e a Rosa, que foi muito bacana. Além disso, o Walcyr é um cara muito legal e talentoso. E muito organizado também. Organização, aliás, é fundamental para quem quer escrever novelas. O Walcyr entrega os capítulos na hora em que tem de entregar e sabe a história que tem para contar. Isso sem falar que respeita tudo o que combina com o ator. Como se não bastasse tudo isso, o Walcyr ainda tinha também uma história bacana para contar… Ou seja, ele tinha todo um arsenal de sedução preparado para que eu caísse na cilada dele.
P – É bom voltar a fazer um tipo mais romântico e galanteador depois de emendar alguns tipos, digamos, truculentos, como o taxista Carlão, de Pecado Capital, e o matuto Petruchio, de O Cravo e a Rosa?
R – Ao longo da carreira, tenho tido a oportunidade de interpretar personagens que não são estereotipados como galãs. Fazendo um retrospecto dos meus últimos trabalhos, todos os meus personagens são um tanto "tortos". Espero que continuem me chamando para papéis desse tipo, desafiadores. Trabalho justamente para que isso aconteça. Quanto ao Rafael, não acho que ele seja necessariamente romântico e galanteador. Num primeiro momento, sim, ele faz o tipo apaixonado. Quando conhece a Luna, por exemplo, experimenta uma dessas paixões arrebatadoras. O Rafael é um botânico que vive de criar novas espécies de rosas. Mas depois, quando perde a mulher, se fecha completamente. Fica opaco, amargo… Desiste, inclusive, de criar rosas. Ou seja, ele não tem muito esse tom romântico e sedutor.
P – E você? Se considera romântico e sedutor?
R – Ah, eu sou… Sou do tipo que ainda manda flores… (risos), Pena que, com o tempo, a gente vá perdendo um pouco desse romantismo. Mas, às vezes, você tem também a oportunidade de resgatá-lo. Mas não através de datas comemorativas. Dia disso ou dia daquilo. Isso soa forçado para mim. Mas acredito, sim, no romantismo. Sem ser piegas, o que é difícil. Ou sendo, por que não? Uma das vantagens de fazer uma novela de época é justamente a oportunidade de interpretar um sujeito que ama e que se dilacera por esse amor. Isso é que é legal… Numa dessas paixões arrebatadoras, você chega a levitar, a temperatura do corpo muda… Você ensaia muito e, na hora H, faz tudo errado. Quem nunca passou por isso?
P – O Reginaldo, de Senhora do Destino, foi o primeiro vilão de sua carreira na tevê. Gostou de interpretá-lo?
R – Muito. O Reginaldo foi o buraco mais embaixo em que cheguei na televisão. Ele veio num momento em que eu estava trabalhando um lado mais sombrio e perigoso da minha personalidade. Ninguém é bom o tempo inteiro, não é verdade? Todos nós temos os nossos diabinhos interiores.
Galã que começou por acidente
A trajetória profissional de Eduardo Moscovis começou meio por acaso. O então estudante de Administração havia acabado de trancar a faculdade e, enquanto não decidia o que fazer da vida, passou a trabalhar com o pai num escritório de representação de material de construção, localizado no bairro da Penha, no subúrbio do Rio. Lá, chegou a exercer as funções de contínuo e escriturário. Foi nessa época que, por sugestão de uma amiga, passou a assistir a umas aulas de teatro no badalado Tablado, de Maria Clara Machado. O que começou como curiosidade logo tomou ares de guinada profissional na vida do carioca Carlos Eduardo de Andrade. "Sou moreno e tenho o cabelo crespo. Nunca imaginei que fosse me enquadrar no padrão estético do galã", espanta-se.
Não demorou para Eduardo Moscovis enveredar pela tevê. A estréia aconteceu em 1992, quando ele atuou em Pedra Sobre Pedra. Na trama, interpretava o jovem cigano Tibor, que vivia um dilema entre preservar a tradição de seu povo ou assumir a paixão pela filha do prefeito de Resplendor. Apesar de discreto, o papel alçou o rapaz à condição de protagonista da minissérie A Madona de Cedro, adaptada por Walter Negrão a partir do romance de Antônio Callado. No ano seguinte, Sílvio Santos levou Eduardo a trocar de emissora. No SBT, fez As Pupilas do Senhor Reitor, onde contracenava com Débora Bloch.
Um ano depois, Eduardo Moscovis já estava de volta à Globo, na novela Anjo de Mim, de Walter Negrão. O sucesso mesmo, porém, só chegou em 1997, quando formou explosivo par romântico com Carolina Ferraz em Por Amor, de Manoel Carlos. Paralelamente à carreira televisiva, Eduardo Moscovis arriscou-se também no cinema. De lá para cá, já atuou em longas, como O Que É Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto, e Bendito Fruto, de Sérgio Goldenberg. Em Bela Donna, de Fábio Barreto, chegou a contracenar com a atriz canadense Natasha Henstridge, de A Experiência e Meu Vizinho Mafioso, entre outros. "Na ocasião, fui encorajado a tentar a carreira no exterior. Infelizmente, tive de adiar meus planos por causa de Pecado Capital?, recorda.