Tudo começou com o roteiro escrito pelo estreante David Collard. Quando era garoto, ele descobriu o fascínio do cinema assistindo a filmes da tendência noir. Quando cresceu, foi desses filmes que continuou gostando, a ponto de escrever seu primeiro roteiro com elementos do mais puro noir. É o que você poderá confirmar assistindo a Por Um Triz. O policial que estréia no Brasil hoje e reúne o diretor Carl Franklin e o astro Denzel Washington. Os dois são afro-americanos e já fizeram O Diabo Veste Azul, que também tinha seus elementos ‘negros’.
Collard tinha bem clara a história que queria construir. Seria sobre um homem de bem que erra, mas pelos motivos certos, como ele explica no dossiê distribuído à imprensa. Ele sabia que para que filme funcionasse, o público teria de gostar do personagem. Trata de torná-lo cativante, portanto, antes de lançar o Chief Whitlock no liquidificador. A primeira parte de Por Um Triz traça o retrato de um policial íntegro, mas que tem suas fraquezas. Muito possivelmente foi o policial abjeto de Dia de Treinamento que possibilitou que o público aceitasse agora a ambivalência de Whitlock. Ele é chefe de uma delegacia em Miami. Separado da mulher, também policial e agora promovida a investigadora, ele tem um caso com a mulher de um antigo amigo. Descobre que ela está morrendo e desvia um dinheiro sob sua guarda para que ela possa tratar-se na Europa. Descobre que entrou numa fria – aliás, em várias frias.
O roteirista diz que queria deixar o espectador em estado de alerta e, por isso, recorre a um twist, como dizem os americanos. O filme, inesperadamente, muda de rumo. Você deve se lembrar de Sem Saída, o thriller de Roger Donaldson com Kevin Costner como o oficial da Marinha encarregado de investigar o crime cometido pelo secretário de Defesa Gene Hackman, mas cujas pistas apontam para ele mesmo. O que o herói faz então é um trabalho de ocultamento das provas, para ganhar tempo. É o que faz Whitlock em Por Um Triz, um pouco com a cumplicidade de um subalterno, seu amigo, e em seguida, com a desconfiança da ex-mulher, que, cada vez mais, suspeita dele. Quando o filme parece que terminou, surge ainda uma derradeira reviravolta, para tornar mais emocionante o desfecho.
Não é um grande filme, mas é um quebra-cabeça bem montado e desenvolvido, Os atores contribuem – Denzel Washington, com seu carisma, e Eva Mendes, com sua beleza e talento. É uma atriz em ascensão em Hollywood, que também pode ser vista na comédia Ligado em Você, de Bobby e Peter Farrelly (leia acima). Se todo filme ‘ruim’, no sentido de produção massificada, em série, fosse bom como este, nosso prazer de espectadores poderia ser maior, não ficando só na dependência de programas especiais. (Luiz Carlos Merten)