Declarada a guerra dos dicionários

Há 28 anos com a editora Nova Fronteira, o Aurélio, dicionário mais popular do Brasil, passou quinta-feira às mãos do Grupo Positivo, de Curitiba, que adquiriu os direitos de edição, comercialização e distribuição do livro por um prazo de sete anos, renováveis por mais sete. O anúncio, feito em Curitiba pelo diretor-presidente do grupo, Oriovisto Guimarães, marca uma segunda fase na guerra dos dicionários, iniciada há três anos com o lançamento do Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa pela editora Objetiva, o primeiro a ameaçar a supremacia do Aurélio, que já vendeu mais de 40 milhões de exemplares.

O dicionário do professor Antonio Houaiss, morto em 1999 e considerado o maior filólogo brasileiro do século passado, não conseguiu derrubar o do amigo Aurélio, mas a Nova Fronteira promete uma ofensiva com a perda de sua maior grife. A editora carioca acaba de anunciar sua nova aquisição, o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, 200 mil verbetes em cinco volumes, preparados com a supervisão do especialista Paulo Geiger.

Preocupada com a concorrência, a editora Melhoramentos, dona do Michaelis, que garante 30% do faturamento anual da empresa (R$ 3,5 milhões), promete novidades na próxima edição do dicionário. Uma equipe de 11 lexicógrafos passou os últimos três anos recolhendo 26 mil novas palavras – nem todas candidatas à incorporação, segundo o diretor-geral da editora, Breno Lerner. Estratégica, a Larousse entra timidamente na guerra e deve lançar o seu dicionário somente no próximo ano.

Amizade

Viúva do filólogo Aurélio Buarque de Holanda, Marina Baird Ferreira, aos 81 anos, sai ilesa dessa guerra. Ao participar do lançamento do Minidicionário Aurélio pelo Grupo Positivo, em Curitiba, fez questão de lembrar que Houaiss, o tradutor de Ulysses, de James Joyce, era amigo do marido Aurélio Buarque de Hollanda, e adotou seu dicionário como ponto de partida e referência para o dele. Houaiss trabalhou com 140 especialistas – portugueses e africanos, entre outros – e chegou a um total de 228.500 verbetes, quase 70 mil a mais que o Aurélio. “Houaiss incorporou muitas palavras arcaicas, em desuso”, rebate dona Marina, responsável pelas edições do dicionário Aurélio com a professora Margarida dos Anjos, desde a morte do marido, em 1989.

Ela vai continuar supervisionando o trabalho dos lexicógrafos. O minidicionário (na sexta edição) lançado pelo Grupo Positivo incorpora expressões idiomáticas ausentes em edições anteriores, como “dar com os burros n?água” ou “pisar em ovos”. A última expressão serve para definir a cuidadosa estratégia do grupo paranaense, que se recusa a falar em números. O diretor da Gráfica e Editora Posigraf, Giem Guimarães, revela apenas o valor gasto com o minidicionário, ponta-de-lança para novos produtos que virão depois: R$ 500 mil.

Positivo avança no mercado editorial

A aquisição de uma obra de referência como o Aurélio marca uma nova fase na política de investimento do Grupo Positivo no mercado editorial. Fundado em 1972, o conglomerado, dividido em três segmentos – gráfico-editorial, informática e educacional -, fatura anualmente R$ 550 milhões. Em todo o País, 2 mil escolas conveniadas compram os produtos didáticos e paradidáticos do grupo paranaense, um pacote educacional dirigido a mais de 500 mil alunos, que vai da pré-escola à universidade.

Tendo o grupo como parceiros a Microsoft e a Intel, não é preciso ser adivinho para antecipar o futuro da associação com o Aurélio. A Positivo Informática, braço tecnológico do grupo, que distribui os softwares da Disney no Brasil, vai disponibilizar o dicionário em seu portal educacional e lança, no segundo semestre, a versão eletrônica atualizada em CD-ROM. Em março, o Aurelião, com seus 4 quilos, volta com cara nova, em sua quinta edição, numa capa de cores discretas (cinza e azul com uma pequena faixa amarela).

Antes mesmo do lançamento do filho menor pela Positivo, o Minidicionário Aurélio, 43 mil dos 60 mil exemplares da edição já estavam vendidos. O governo foi responsável por metade das aquisições. Num país em que as editoras disputam as verbas públicas como numa guerra, a dos dicionários deve deixar ainda muitos feridos no campo de luta.

Como observador, o usuário só quer saber dos resultados. Seu interesse não é tanto pelo número de verbetes que cada um dos dicionários de língua portuguesa oferece ao consumidor, até porque o vocabulário básico do brasileiro não passa de 1.500 palavras (Machado de Assis usou quatro vezes mais apenas em um de seus romances). Dona Marina, sábia, diz que um bom dicionário se mede pela clareza de seus verbetes. “Aurélio era muito rigoroso com a concisão e me obrigava a reescrever inúmeras vezes até chegar ao que ele considerava ideal”.

Quando o Houaiss foi lançado, em 2001, as opiniões sobre o concorrente mais antigo convergiam justamente para o caráter menos enciclopédico do Aurélio. O filólogo Houaiss parecia mais aberto a incorporações, abraçando arcaísmos, africanismos e regionalismos.

Aurélio foi sempre avesso a incorporar gírias de curta duração e cauteloso com estrangeirismos. Preferia ter uma lista condensada de termos cotidianos que uma pilha de vocábulos eruditos. Dona Marina Baird segue o mesmo raciocínio. O filho Aurélio Baird concorda com o pai e a mãe. Esclarece que o Aurélio não é depósito de uma língua moribunda, mas viva, embora o Minidicionário registre gírias com parcimônia.

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