A grandiloquência wagneriana de coros lúgubres, seguida de assaltos de guitarra da canção California Über Alles, dos Dead Kennedys, virou um símbolo de resistência nos últimos 26 anos. Uma das bandas punk do final dos anos 1970 menos tocadas, menos cortejadas pelas gravadoras (sempre fez discos por selos independentes) e revistas especializadas, menos entrevistadas e das mais influentes da história, a californiana Dead Kennedys e seus hinos ganham uma primeira biografia de fôlego. E o que é mais interessante: a partir de um recorte curto, a feitura do seu primeiro disco.
Dead Kennedys – Fresh Fruit for Rotting Vegetables (Edições Ideal, 240 páginas, R$ 59,90) é muito mais do que a história de como as 14 faixas do álbum se tornaram símbolos de resistência política. O autor, Alex Ogg, acredita com tranquila convicção que Fresh Fruit for Rotting Vegetables, que chegou num momento de esgotamento do punk britânico, é um disco mais importante do que a tríade do punk: os álbuns Never Mind the Bollocks (Sex Pistols), The Ramones (Ramones) e London Callling (The Clash).
Ogg conta duas histórias: a de como a banda construiu sua lenda e a de como ele sofreu horrores para publicar um livro sobre o grupo. Ogg tinha sido procurado em 2005 pela banda para escrever notas de encarte para a reedição do seu primeiro disco. Mas, a essa altura, a banda já estava afundada em ações judiciais e seus principais integrantes (o vocalista Jello Biafra, o baixista Klaus Flouride e o vocalista East Bay Ray) tinham tudo, menos afeto uns pelos outros.
“A mesquinharia não tinha fim. Os dez rascunhos acabaram ultrapassando 64 mil palavras; tínhamos espaço para cinco mil. A certa altura, um funcionário da Alternative Tentacles (selo dos Dead Kennedys posteriormente administrado por Biafra) reclamou que eu, sozinho, havia quebrado sua impressora. Houve um longo debate telefônico para decidir se seria permitido que um integrante da banda usasse o pronome pessoal no singular ao invés do plural. Nas cada vez mais desesperadas tentativas de apaziguamento, eu acabei colocando aspas para provar que as ideias de todos eles estavam corretamente representadas”, conta o escritor.
Os Dead Kennedys surgiram no mesmo cenário em que o movimento beatnik eclodiu. Tudo começa com um anúncio do guitarrista Ray na loja Aquarius Records, de São Francisco, em 1978. “Guitarrista quer começar uma nova banda punk ou new wave”).
East Bay, nome que indicava a região de onde vinha, não era um inepto musical: tinha começado a tocar aos 12 anos, ouvira muito Duke Ellington na infância e conhecia Scotty Moore (guitarrista de Elvis) e Syd Barrett. O primeiro a responder ao anúncio foi Eric Boucher, que vinha do Colorado – e que depois escolheria aleatoriamente o codinome Jello Biafra (“jello” parodiava certa gelatina), punk que chegou a ser candidato à prefeitura de São Francisco.
Biafra adorava Blue Öyster Cult e Allen Ginsberg e tinha formação política, providenciada pelos pais intelectuais. O próximo a responder ao anúncio seria o baixista Klaus Flouride, que já tinha uma bagagem musical, tinha gravado com MC5 e Stooges.
O Dead Kennedys fez sua estreia no Mabuhay Gardens em 19 de julho de 1978. Ali começaria uma reputação de bola de demolição e também de barricada de problemas. O prêmio Pulitzer Herb Caen reclamou publicamente do nome Dead Kennedys, achando que era uma falta de respeito para com a família mais adorada da América.
O clube Mabuhay recebeu diversas ameaças de bomba durante suas apresentações e havia um caminhão de bombeiros do lado de fora. Mas a casa estava lotada. Como Biafra contou a Ogg, “todas as mentes estranhas da área se arrastaram das profundezas para nos ver”. Essas sessões são magnificamente reconstituídas.
Demonstrando um nível de consciência política acima de seus pares, fizeram de canções como Holiday in Cambodia e Kill the Poor antenas de uma disposição revolucionária. “Somos terroristas culturais, usando a música ao invés de armas”, disse Biafra. East Bay conta que Biafra sempre gostou mais de dar entrevistas, mas que as ideias não lhe pertenciam, como querem fazer crer. Hoje em dia, East Bay Ray e Jello Biafra andam por aí em bandas diferentes, não se falam e vivem às turras. Ambos vieram recentemente a São Paulo, devidamente separados pela vida. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.