Havia gente cujo sonho de consumo em 1985 – há 30 anos! – era um carro da marca De Lorean. É a bordo de um que Marty McFly viaja no tempo e chega ao passado, na época em que seus pais eram adolescentes. O carro envenenado pelo cientista ‘Doc’ era como uma nave espacial, não as máquinas do tempo tradicionais de Hollywood. O cinema também contou muitas histórias de viagem no tempo – nenhuma como essa. No passado, Marty se envolve com a própria mãe, o que faz de De Volta para o Futuro uma espécie de comédia edipiana, não tão inocente como parece.
De Volta Para o Futuro fez tanto sucesso que virou série. Surgiram o 2 e o 3. Sempre a bordo do De Lorean de ‘Doc’, Marty continuou viajando para frente e para trás no tempo. Chegou até ao Velho Oeste, no terceiro filme, que tinha a cena dos índios perseguindo a mais estranha diligência que cruzou aquelas planícies, o carro. Tudo isso ressurge agora que o primeiro filme volta como a atração no final de semana do programa de clássicos restaurados da rede Cinemark. Quando se lançou ao projeto, co-escrito por ele com Bob Gale e produzido por Steven Spielberg, o diretor Robert Zemeckis ainda estava longe de ganhar seu Oscar – em 1994, com Forrest Gump, Contador de Histórias -, mas de alguma forma já viajara no tempo ao recriar, com I Wanna Hold Your Hand, em 1978, ‘a febre de juventude’ na época dos Beatles. Vieram depois Carros Usados e Tudo por Umas Esmerralda, e logo depois de De Volta para o Futuro, o primeiro, a mistura de animação e live action de Uma Cilada para Roger Rabbit.
Nos anos 1980, Steven Spielberg ainda carregava o carma da síndrome de Peter Pan, que os críticos lhe colaram por muito tempo. Responsável por sucessivos fenômenos de bilheteria – Tubarão, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, E.T., o Extraterrestre e Caçadores da Arca Perdida, o primeiro Indiana Jones -, ele se convertera em produtor de fantasias juvenis como Os Goonies, Gremlins, O Enigma da Pirâmide/Jovem Sherlock Holmes e De Volta para o Futuro.
Spielberg virara uma máquina de fazer dinheiro, um jovem Midas continuamente bafejado pelo sucesso e que estimulava a criatividade de todos a seu redor.
Mais tarde, ele também viraria ‘autor’ para realizar, com O Terminal, Guerra dos Mundos e Munique, a trilogia informal que é o maior documento sob a América de George W. Bush, pós 11 de Setembro. Zemeckis já disse que Spielberg nunca impôs nada em De Volta para o Futuro, mas o exortava, e a seu corroteirista, para que tornassem divertidas as diferenças culturais entre os anos 1950 e os 80, e o fato de que os jovens da geração de seus pais não entendem o futuro, da mesma forma que Marty fica confuso no passado.
No presente (anos 1980), Marty é um garoto incomodado com a covardia/acomodamento de seu pai e a forma distante como a mãe parece levar a família e a vida. No passado, ele descobre que o pai já era um covarde, sofrendo contínuos abusos pelos colegas de aula, mas também na futura mãe uma adolescente fogosa e cheia de energia. A mãe, atraída pelo estranho, dá em cima dele (do filho!) e Martry não apenas tem de resistir a suas investidas como precisa fazer com que vá ao baile de formatura com o pai. Em caso contrário, ele nem vai nascer. Cria-se um dilema moral, mas pouca gente pareceu notar isso há 30 anos. O filme é tão engraçado, dinâmico, cheio de efeitos. Mas, até que ponto é lícito/ético, que Marty interfira no tempo, mesmo que seja para salvar sua história? Não parece, mas em 1985, o Rambode Programado para Matar, de Ted Kotcheff, já se transformara no salvador da ‘América’ de Sylvester Stallone, e não é exagerado pensar em MartyMcFly como um Rambinho que viaja no tempo para colocar seu mundo nos eixos.
As viagens no tempo continuaram – Francis Ford Coppola fez Peggy Sue, Seu Passado a Espera, James Cameron iniciou outra série, O Exterminador do Futuro etc -, mas a mística de De Volta para o Futuro não foi afetada. E o humor do filme permanece. Os jovens de 1955 não acreditam que aquele ban,ana, Ronald Reagan, seja presidente 30 anos depois, e Marty também não tem registro do ator que ele foi; ao futuro tio, que terá problemas com a Justiça e que ele encontra no berço, diz que vá se acostumando com a vida entre as grades. Mais íntimas são as piadas da cueca, do tipo zorba, e a agressividade sexual da mãe, que parece avançada dez anos. Ela estaria mais às vontade com a liberação sexual dos anos 1960 – aparentemente, foi a falta de gás do pai que a moldou daquele jeito, mas você não perde por esperar. Marty vai dar um jeito em tudo.