O Senhor dos Anéis: filme é muito melhor para que já leu o livro. |
As Duas Torres, a aguardada continuação de A Sociedade do Anel, que estréia hoje no Brasil, foi lançada nos cinemas americanos há pouco mais de uma semana. O público mostrou que continua ávido pela série, e depositou na bilheteria, até o fim do quinto dia de exibição, a fabulosa soma de 105 milhões de dólares.
Além do status de cult que a produção vem ganhando desde o começo das suas filmagens na Nova Zelândia, há três anos, da milionária campanha publicitária conduzida pelo estúdio New Line Cinema e da excelente performance do filme no último Oscar (13 indicações, quatro estatuetas conquistadas), As Duas Torres contou com ajuda da crítica especializada.
O que vinha se especulando nos últimos meses foi comprovado na semana passada: o cineasta neozelandês Peter Jackson transformou As Duas Torres numa espécie de O Poderoso Chefão 2, ou seja, superior ao original.
Novos personagens são também de praxe em continuações cinematográficas, e existe uma porção deles em As Duas Torres – a maior parte vinda do núcleo do Rei Théoden (Bernard Hill). Entre eles estão Éowyn, sobrinha do monarca e interpretada por Miranda Otto; seu primo, o guerreiro Eomer (o neozelandês Karl Urban); e o vampiresco Wormtongue (Brad Dourif), o temível e traiçoeiro conselheiro da corte.
Mas não são só personagens de carne e osso que surgem nessa segunda parte. Treebeard, ou Barbárvore, uma gigantesca árvore que anda e fala e tem a imponente distinção de ser a mais antiga criatura viva da Terra-Média, faz sua estréia no filme. Já Gollum não chega a ser uma novidade. O horripilante ser diminuto, que manteve a posse do anel sagrado por vários séculos, já havia feito uma breve aparição no primeiro filme. Só que em As Duas Torres ele brilha como ninguém ao dividir a cena com Frodo (Elijah Wood) e seu fiel companheiro Sam (Sean Astin).
O mérito é ainda maior quando se sabe que a criatura não foi totalmente gerada por computador. Os movimentos do monstrengo foram criados pelo ator inglês Andrew Sirkis, que sempre vestia um macacão de lycra azul-marinho com bolinhas brancas mapeando vários pontos de seu corpo, que era filmado e depois escaneado no computador para ganhar nova anatomia.
Liberdades
Embora apareça somente nos 45 minutos finais, Liv Tyler – que interpreta Arwen, a bela elfa que abdicou do dom da imortalidade pelo amor do guerreiro Aragorn (Viggo Mortensen) – não era propriamente esperada em nesta continuação.
Outra liberdade foi a ampliação da imponente e sanguinária batalha do abismo de Helm, que deixou de ser apenas ação descrita num punhado de páginas do segundo livro de J.R.R Tolkien para tornar-se parte importante da adaptação de Jackson.
Para encerrar sua obra ainda inconclusa (O Retorno do Rei, a última parte da trilogia, com estréia prevista para daqui a um ano), o cineasta, junto com o compositor canadense Howard Shore (vencedor do último Oscar), escolheu uma cantora que vai deixar muita gente esperando até as últimas linhas do longuíssimo crédito final, para saber se Björk não foi chamada para substituir Enya, que criou a canção de A Sociedade do Anel. Apesar de ter um timbre assustadoramente igual ao da cantora islandesa, a intérprete da bela e triste Gollum’s Song é Emiliana Torrini.
Para compreender a saga do Anel
Luiz Carlos Merten
São Paulo (AE) – Cinema é uma coisa, literatura é outra. Estamos falando de literatura, sim. A série de O Senhor dos Anéis pode ter vendido milhões e milhões de exemplares desde que o primeiro volume surgiu, em 1954. J.R.R. Tolkien havia começado a escrever os livros nos anos 30. Demorou doze anos para concluir essa obra monumental, que só foi publicada em 54. Peter Jackson sabia que não estava adaptando um best-seller qualquer. Transformou uma obra-prima literária numa obra-prima cinematográfica. Não representa pouca coisa.
Você não precisa conhecer a série de livros para apreciar (ou entender) os filmes. Mas ajuda bastante e até se constitui numa fonte de prazer e informação assistir ao DVD da National Geographic lançado no Brasil pela PlayArte. Chama-se O Senhor dos Anéis – A Irmandade do Anel, como o primeiro filme, e conta tudo o que você gostaria de saber, mas não sabia a quem perguntar, sobre Tolkien e sua obra. O DVD começa com uma biografia do próprio Tolkien, prossegue com uma análise das lendas e mitos que o inspiraram, disseca o conceito da Terra-Média e busca analogias com o mundo atual.
De uma forma muito especial, também discute quem seriam os Frodos Balseiros da atualidade. Esse DVD integra o novo contrato da PlayArte com a National Geographic. Chegou às locadoras e lojas especializadas, para venda direta, num pacote com outros 11 lançamentos que incluem documentários sobre baleias, clonagem, golfinhos, até uma viagem pelo Marrocos. Cada um custa R$ 36, 90.
J.R.R. Tolkien. As iniciais no nome são de John Ronald Reuel, e ele foi um professor de filologia em Oxford. A filologia não é outra coisa senão o estudo da língua em toda a sua amplitude – da língua e dos documentos escritos que registram a sua evolução. O autor inicialmente divertia os filhos inventando histórias à base de retalhos de mitologias e lendas nórdicas. Consciente de que uma literatura clássica estava sendo morta no século 20, para que dessa morte surgisse o novo romance, Tolkien colocou uma quantidade enorme de informação erudita a serviço de uma capacidade de fabulação verdadeiramente extraordinária, orientada sempre por uma vocação (ou orientação) humanista. Criou uma saga que não poucos estudiosos consideram tão grandiosa quanto a daquele maluco da Mancha que virou protagonista da obra-prima de Miguel de Cervantes. Não se quer invalidar a contribuição de James Joyce e Virginia Woolf, que mataram o romance tradicional para criar o novo romance. Mas também não há por que negar o valor de Tolkien, um erudito que reassumiu o sentido “clássico” da literatura, resumido no binômio divertir e edificar.