Única mulher imersa no mar de testosterona da série 1 Contra Todos, da Fox, Julia Ianina começa a chamar a atenção dos diretores e produtores de TV. Sua entrega à personagem Malu, uma dona de casa que vê sua vida se transformar em um inferno, revelou uma faceta dramatúrgica não explorada em seus diversos trabalhos no teatro e no cinema. Além de estar confirmada na segunda temporada da trama, prevista para 2017, ela acaba de encerrar as gravações de Natureza Morta, série inédita do canal Cine Brasil TV, na qual interpretará uma médica e irá contracenar com Nanda Costa e Erom Cordeiro. E a lista de convites só aumenta.
É fácil entender a euforia em torno de seu nome. Basta assistir a um episódio de 1 Contra Todos (toda a temporada está disponível na plataforma Fox Play) e ver a maneira como ela construiu sua personagem.
Na história, Malu (Julia) é mulher de Cadu (Júlio Andrade), um advogado correto, incapaz de infringir qualquer linha da Constituição. A vida deste casal muda quando a polícia invade sua casa e encontra uma tonelada de maconha escondida no teto da propriedade, implantada por uma equipe de reforma que preparava o quarto do bebê que a dona de casa está prestes a dar à luz.
Cadu tenta provar sua inocência, mas acaba preso. Na cadeia, recebe o apelido de “Doutor do Tráfico”, mesmo sem saber como aquela droga foi parar em sua casa. Ao perceber a dificuldade em se livrar desta emboscada, ele assume a figura de chefão do crime, com o único objetivo de salvar a sua pele dentro da cadeia.
Se Cadu está preso do lado de dentro, Malu fica presa do lado de fora. Ela assume a figura de ‘mulher de traficante’, mesmo sem nunca ter se envolvido em qualquer tipo de crime, e passa a negociar com bandidos e líderes de quadrilhas para livrar a pele do marido. Fora de casa, Malu é a ‘rainha do tráfico’. Dentro, mãe e filha exemplar.
Como você conseguiu chegar até a Malu?
Ela é uma mulher de personalidade forte, mas que leva uma vida comum, cuida da família e está grávida. O casal [Malu e Cadu] tem uma ética, busca agir corretamente, tem uma preocupação de fazer tudo certinho. Aí a vida dela vira de ponta-cabeça. Chegaram a me perguntar se eu estive em algum presídio para entender como funciona, mas ela não é uma mulher de xadrez e não sabe lidar como essa situação. Ela tem uma reação instintiva para sobreviver e ajudar sua família. Eu me aproximei da Malu a partir das cenas e me dei conta de como eu estava desajustada naquele ambiente, assim como a Malu estava em sua vida.
A Malu inicia a série de maneira pouco cativante. Ela está grávida e bastante impaciente. Mas logo quando todo o caos se instaura em sua vida ela dá uma guinada e o público começa a torcer por ela e a sofrer com ela…
Faço a única personagem feminina na história, e o mundo tem falado muito sobre feminismo nos últimos tempos. A série trata deste assunto de maneira sutil, sem falar sobre ele. Essa personagem é absolutamente feminina, tem um estereótipo de uma dona de casa que aparenta ser muito frágil. E quando você vê ela começa a enfrentar o mundo dos homens e a tomar decisões importantes. Na cena [do primeiro episódio] em que ela diz que Cadu sairá da cadeia e voltará para casa, ela o autoriza a fazer o que for necessário para se manter vivo na cadeia. E ele se sente autorizado a lutar pela sobrevivência. Ela tem uma força muito central. Eu brinquei com o Breno Silveria [diretor] que o nome da série está errado, deveria ser ‘2 contra todos’. Simbolicamente, esta mulher é o que faz o Cadu seguir tentando. A vida dela muda drasticamente. É como se ela também estivesse presa, só que do lado de fora da cadeia.
Imagino que seja empolgante estar na pele de Malu.
Para uma atriz é um sonho fazer uma personagem assim, porque ela passa por muitas transformações. Não dava para se preparar para esta personagem, tinha que se jogar e viver aquela situação de corpo e alma. É uma história de muito sofrimento.
A história é surreal. Da maneira como os fatos se sucedem, a ação da polícia, da falta de direito de resposta do Cadu. Tem várias questões…
A própria questão da mídia, que influencia na decisão do juiz em não dar o habeas corpus a Cadu quando ele merecia. Tem também a coincidência fatal de estarem procurando o doutor do crime e o Cadu ser um advogado.
O Breno Silveira comentou que esta história é baseada em um caso real, mas as identidades dos personagens reais foram mantidas sob sigilo. Este caso foi apresentado a vocês? Como é essa mulher em que sua história foi inspirada?
O que eu sei da história real é o mesmo que você. O percurso da série é a história real, mas pela perspectiva do Cadu. Eu não sei dizer o que é verdade e o que não é, até porque não haviam muitos registros sobre ela. O que a gente sabe é que essa mulher existe e esteve com o marido durante o tempo todo. Ela existe, mas a personalidade e a maneira como lidou com isso são desconhecidas, o que me deu mais liberdade para criar essa personagem.
A série foi renovada para a segunda temporada. Como fica sua expectativa em reencontrar Malu depois de um tempo fora dela?
Eu sempre assisti a Mad Men e pensava como era para os atores ficar tanto tempo no mesmo personagem. Tem uma criança que cresce. Isso para o ator é muito maravilhoso. Aqui no Brasil a gente tem a cultura de novela, e eu nunca fiz novela, e o ator permanece no mesmo personagem por 6 meses. As séries dão uma oportunidade de atingir pessoas que você não atinge no cinema e de conhecer diversos diretores e equipes maravilhosas. Dá para entender o pensamento e o cuidado que existe com o roteiro e todos os detalhes da produção.
Sempre que tem uma série que remete ao mundo do crime a gente torce o nariz, mas 1 Contra Todos vem num estilo diferente.
Fico feliz de ouvir isso, e a gente já está acostumado a ouvir esse tipo de reclamação, porque criamos nichos no cinema e na TV. A história dessa série, para mim, só faz sentido porque é sobre um casal que passa por uma situação surreal, um pesadelo, mas o foco são estas duas pessoas que não são deste universo.