Armando é um voyeur. Por isso, De Longe Te Observo, de Lorenzo Vigas, é um filme sobre o olhar. O longa deu um prêmio inédito à Venezuela, um Leão de Ouro em Veneza, um dos três principais festivais europeus. Foi a primeira vez que uma produção latino-americana ganhou o troféu principal na mostra italiana. E isso com um filme que tira sua força de sua sutileza.
Armando é um protético de meia-idade. Perambula pelas ruas de Caracas atrás de jovens que o atraiam e que possam, por sua vez, ser atraídos por seu dinheiro. Leva a presa à casa, pede que tire a camisa e depois a calça. Não inteiramente. Quer ver os rapazes seminus, para se masturbar e chegar ao orgasmo. Não há contato físico entre eles. É o olhar que comanda o desejo.
Um dia convida um desses rapazes e a coisa termina em violência. Eder (Luis Silva) é o nome do moço, e ele lidera uma gangue juvenil. Tem problemas com a família, mora na rua e adora automóveis. Seu grupo furta carros para diversão e para fazer dinheiro. Mas ele cobiça ter um, em seu nome.
Deve-se dizer que, mais do que seus temas principais e secundários, De Longe Te Observo obedece a um programa muito rigoroso de mise-en-scène, como dizem os franceses. Ou de direção, ou encenação, diríamos nós em tradução aproximada. Há uma precisa escritura de câmera. Ela segue o personagem de perto, como acompanhando seus passos. Muitas vezes, Armando é visto de costas, andando pelas ruas com a câmera colada atrás de si. Câmera na mão, entenda-se, emprestando tom documental à obra. Armando vaga pelas ruas de uma cidade de contrastes, como São Paulo e Rio. Caracas é semelhante. Há gente muito rica e gente muito pobre. Há, sobretudo, muitos jovens desocupados e desassistidos, procurando existir num mundo, bolivariano ou não, em que o ter é pré-requisito para o ter. Mas não há qualquer discurso sobre isso. A câmera mostra, apenas isso, e leva o espectador a esse passeio tanto social como do desejo.
Depois, há que levar em conta o contraste dos personagens. Armando é um ser atípico no local. Numa cultura caliente, em que as pessoas se tocam muito, falam alto, ouvem e dançam e cantam, ele é um melancólico solitário. O outro, para ele, é essa imagem erótica a partir da qual ele goza, satisfazendo a si mesmo. É um ser encapsulado. Ainda que essa cápsula apresente fissuras, já que ele necessita do outro, mesmo que através de uma imagem comprada com dinheiro.
Já Eder é o latino típico. Febril e voluntarioso, insolente e violento, lembra um pouco, até no físico, aqueles ragazzi di vita de Pier Paolo Pasolini. Os “rapazes de vida” da periferia romana, um dos quais acabou por assassiná-lo.
Sobre esse contraste, Vigas elabora seu filme, desenvolvido a partir de uma história escrita por ele e pelo mexicano Guillhermo Arriaga, parceiro de Alejandro González Iñárritu em vários trabalhos.
Há outros elementos presentes, e que dão dinamismo à história. Em especial, a presença do misterioso pai de Armando, que regressa à cidade, como ele diz à sua irmã. Também com o pai Armando usa o procedimento voyeurista. Segue-o pelas ruas, observa o homem, sem abordá-lo. Conversa a seu respeito com Eder, que também fala do seu pai, preso por assassinato. Temos então esse subtema dos pais ausentes, mas que, em relação a Armando, permanece na sombra. Não sabemos quem é e por que o filho lhe guarde ressentimento.
À maneira de alguns trabalhos do polonês Krzysztof Kieslowski, De Longe Te Observo também não entrega seus mistérios de mão beijada. Pede que o espectador dele se aproxime em estado de inteligência e sensibilidade abertas. Vale a pena.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.