Curitiba “Capital Social” – Do Dhamma, de ENET, e das Meias Verdades

Atendendo a dezenas de e-mails, faço questão de repetir este artigo, publicado em fevereiro “O Dhamma, eu te o explicarei, É coisa vista nesse mundo, não doutrina transmitida; E quem a encontra e a conhece, e caminha alerta, Poderá transpor a sórdida lama desse mundo.”

O Dhamma, para o Budismo é a verdade incontestável, em todos os seus níveis. Buda disse que só conhecendo a verdade, encontraremos as soluções aos nossos problemas. Evoluiremos e passaremos para o próximo estágio. A verdade é intransigível, inevitável e indivisível.

Na sabedoria judaica, a verdade é ENET. Curiosamente, pronuncia-se E a primeira letra do alfabeto hebraico. A letra do meio do alfabeto é NE. O alfabeto termina com T. Portanto, deve ter a verdade um começo, um meio é um fim. Não existem verdades incompletas. Mais curiosamente ainda: A letra, pronunciada E, é Alef. Além de ser a primeira letra do alfabeto, Alef é a letra utilizada para representar Deus no judaísmo, quando Este é entendido como Sabedoria. Ao retiramos o Alef da palavra ENET, ficaremos com a palavra NET. NET, quer dizer, em hebraico, aquilo que está morto. A verdade sem o conhecimento, aquilo que convencionamos chamar de “meia verdade” portanto, não existe. Pois a verdade terá um começo um meio e um fim, pois a verdade incompleta, a verdade sem o conhecimento da realidade, já vem morta. Já surge como mentira.

A mentirá será sempre a outra metade de uma meia verdade.

A verdade: fazemos parte, como todas as criaturas, de um mesmo sistema, de uma mesma ordem universal. A mentira: Somos o centro dessa ordem, a razão da sua própria existência, temos o direito de mudá-la, conforme nossos anseios, alterá-la, por capricho. Trocando em miúdos, nós, humanos seríamos o centro do universo.

Diversas meias verdades diversas semi- mentiras nos levam a acreditar em uma posição alternativa. Seríamos parte do Universo, sim, mas ocupando nesse todo infinito, um cadinho especial. Não que sejamos o centro das coisas…

A verdade retorna nua e crua: Somos animais, e como animais nascemos, lutamos, desejamos, procriamos e morremos, um pouquinho a cada dia. Também como todos os animais, também como todas as criaturas, possuímos características especiais, que não nos fazem, entretanto, MAIS especiais que os demais seres. Uma dessas características: Somos dentre todos os animais os únicos que mentem.

A natureza não mente. O universo não mente. O ser humano, diferentemente, insiste em mentir. E cria dados e ciências, tribunais, departamentos e governos que ratificam a mentira, pintando-as com as cores da verdade ao relativizá-las. O ser humano cria a verdade oficial.

Além de mentir, o ser humano erra. Outros seres também erram, mas os erros dos seres humanos são os únicos que podem trazer danos à outras criaturas. O perigo surge, justamente, quando o ser humano erra, e, ao minimizar as consequências dos seus erros, cria meias verdades, cria semi mentiras para encobrir as suas consequências, para mascarar as suas falhas.

A verdade muitas vezes dói. A verdade, que liberta, pode machucar ao romper os grilhões da ignorância. Com medo da dor causada pela verdade, o homem aceita de bom grado mentiras e falsidades. Se essas mentiras já estiveram cobertas pelo manto da oficialidade, tampouco remorsos surgem na alma daqueles que as recebem. Ainda melhor.

A verdade: Em Curitiba, existe uma bárbara exclusão social. Crianças pedindo esmola nos sinaleiros, mães catando papel com as crianças à tiracolo. Essa exclusão divide a Cidade. A “tensão osmótica” entre esses mundos, entre o mundo dos que tem uma Cidade linda e planejada e os que nada tem convencionou-se chamar de violência.

A violência é um dado, uma realidade, uma verdade que dói.

Mais fácil e menos doído acreditar na lenda da “Cidade de Primeiro Mundo” ou na lenda da “Capital Ecológica”. Mais fácil fingir que “aqueles” problemas do Rio, de São Paulo, ou de Salvador, por aqui não acontecem.

Acontecem. Acontecem menos, mas nem por isso deixam de acontecer. Morrem mais crianças de fome em Recife do que em Curitiba, mas morrem crianças de fome em Curitiba. Existem mais desabrigados em São Paulo do que em Curitiba, mas existem desabrigados em Curitiba. Existem mais meninos de rua em Salvador do que em Curitiba, mas existem meninos de rua em Curitiba.

Enquanto não aceitarmos essa verdade – essa realidade ardida que nos afasta da ilusão de estarmos morando numa ilha de civilização cercada pelo quarto mundo por todos os lados – enquanto não sentirmos a dor dessa ferida, não encontraremos soluções aos nossos problemas. Continuaremos tolamente à engolir as meias verdades oficiais. As mentiras oficiais. Continuaremos a fingir, em nome dessa doce anestesia política, que erros graves não foram e não são cometidos.

Até a hora da verdade. Até a hora do voto. Porque nas urnas não existem meias verdades.

Aristides Athayde

é advogado, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito de Curitiba, mestre pela Northwestern University Chicago, Former Chairperson da Câmara de Comércio Brasil EUA (AMCHAM), membro da Câmara de Comércio Franco Brasileira e da ICC International Chamber of Commerce

aristides@aristidesathayde.com.br 

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