Cubano ‘Venecia’ é o filme mais desconcertante

De Cuba veio o filme mais desconcertante – apaixonante? – do 43º Festival de Gramado, até agora. Venecia, de Kiki Alvarez, é sobre três mulheres na noite de Havana. São cabeleireiras, trabalham num salão. Nesse dia, especificamente, receberam os salários. Uma delas resolve comprar um vestido. As outras a acompanham. Comem, bebem. Vão parar numa boate. Uma delas, casada, faz sexo selvagem com um desconhecido. Outra tenta iniciar uma relação com uma travesti. Tira a peruca e traz de volta o homem. Ada vira Adalberto, mas ele/ela diz, e não falta grandeza – “Não, garota, isso não é para você”.

Venecia foi recebido com simpatia, mas não empolgou muito a maioria da crítica. Não é esteticamente tão ousado quanto o colombiano Ella, de Libia Stella Gómez-Diaz, mas é muito bom. Reafirma uma tendência desse festival. Nos longas, e nos brasileiros como nos latinos, os atores têm sido autores. Anna Muylaert disse que escolhe atores que recriem seu texto para dar mais vida às personagens, e foi assim em Que Horas Ela Volta?. Kiki/Enrique Alvarez poderia dizer a mesma coisa das mulheres de Venecia, mesmo que só uma delas, Claudia Muniz, assine o roteiro.

O que move essas mulheres, de onde vem a insatisfação que as consome? Uma come feito louca e depois vomita. Dança até cair. A outra entrega-se ao estranho e o incita a possui-la com violência. A terceira, a que correu atrás da travesti, pode estar grávida. O comportamento de todas aponta para os desafios de uma sociedade em transformação. “Éramos felizes e não sabíamos”, diz uma das protagonistas, lembrando a era do alinhamento de Cuba com a antiga União Soviética. Venecia é um road movie urbano. Vale retificar – talvez não seja rigoroso como Ella, mas é estética e politicamente ousado. A dramaturgia evolui com conflitos que explodem na boate. O futuro é incerto – “Mas como se pode gastar tanto dinheiro numa noite?”, é a pergunta recorrente. Venecia prenuncia a chegada tardia do neoliberalismo a Cuba.

Exibido na sequência de Venecia – e após a homenagem a Marília Pêra, que ganhou o Troféu Oscarito na terça-feira à noite -, o brasileiro (paulista) Ausência, de Chico Teixeira, foi apresentado pelos atores Matheus Fagundes e Gilda Nomace e pela produtora Paula Cosenza. O diretor apareceu num vídeo saudando Gramado. Tirou o boné e revelou a careca. Chico está encerrando um tratamento de radioterapia.

O calor humano traduzido em aplausos não foi um mero ato de solidariedade ao diretor que se recupera – longa vida, Chico! -, mas consequência do envolvimento da plateia com os personagens. Uma mãe frágil e forte, como são as mães nos filmes de Chico Teixeira. Um garoto criado sem pai e que mistura as coisas na relação com o professor, Irandhyr Santos. Homoafetividade ou necessidade de uma referência masculina? Pode ser que Ausência não seja tão bom quanto A Casa de Alice, mas é bom. E o elenco é maravilhoso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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