A ligação cai na caixa postal, mas, na segunda tentativa, Martha Medeiros atende e conta que está de férias em Torres, praia do litoral gaúcho – por sinal, tema espinhoso de uma de suas crônicas. "Eu disse que Torres não estava entre as mais belas praias da costa brasileira e os gaúchos ficaram uma arara comigo", brinca. Publicitária, gaúcha, de 45 anos – casada há 17 e com duas filhas, uma de 14 e outra de 9 anos -, Martha é considerada um dos expoentes da geração de poetas revelados no final dos anos 80s, e porta-voz de homens e mulheres que gostam de discutir a relação com senso de humor, sua marca registrada.

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Com duas colunas semanais – no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e no carioca O Globo -, e colaborações esporádicas em outros veículos, como a revista Outracoisa, do cantor Lobão, ela deita e rola nas suas crônicas. Os leitores são tanto adolescentes como pessoas de 80 anos. Durante sete anos, ela escreveu no site Almas Gêmeas, de relacionamento, e parou por achar que tinha esgotado o repertório, como registrou em seu artigo de despedida: "Já não tenho muito o que acrescentar dentro deste tema. Escrevi sobre dores-de-cotovelo, casamentos, amores que passam, amores que ficam, amores entre pessoas do mesmo sexo, infidelidades, solidão, idealizações, triângulos, recaídas, namoros virtuais, tolerâncias, sacanagens, frustrações, jogos de sedução, e as alegrias e as dores de se estar apaixonado."

Ela faz sucesso, principalmente, entre o público feminino, e não raramente recebe e-mails do tipo: "Martha, você tirou as palavras da minha boca." "As crônicas que tratam de relacionamentos tocam as pessoas e muitas se abrem." A colunista – que, freqüentemente precisa explicar aos leitores que não dá consultas – acha que hoje em dia as pessoas estão se sentindo solitárias e vêem nas crônicas, com as quais se identificam, um canal de comunicação.

Bicho homem

Mas não são só as coisas do coração que alimentam as suas colunas semanais. "Sou observadora e acho o ser humano uma fonte inesgotável de inspiração. De uma cena no supermercado à política, tudo pode virar uma boa história."

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Formada em Publicidade e Propaganda, Martha trabalhou por 13 anos como redatora e diretora de criação em agências da capital gaúcha, o que acaba refletindo nos seus textos – a objetividade e o humor. Fã de Marina Colassanti, Lya Luft, Adélia Prado, Elisa Lucinda, Adriana Falcão, Cíntia Moscovitch, ela escrevia poesias como hobby.

A paixão pelas palavras falou mais alto e, em 1985, estreou com Strip-tease (Editora Brasiliense). Seguiram-se Meia-Noite e Um Quarto (Editora L&PM), Persona non grata (L&PM, 1991) e De Cara Lavada (L&PM, 1995). Em maio de 1995, lançou seu primeiro livro de crônicas, Geração Bivolt (Artes & Ofícios), no qual reuniu artigos publicados no jornal Zero Hora e textos inéditos. Em 1996, lançou Santiago do Chile, Crônicas e Dicas de Viagem, fruto dos oito meses em que viveu na capital chilena.

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Tem ainda poemas adaptados para peças teatrais encenadas em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Com Divã (Objetiva), livro que conta a história de Mercedes, uma mulher com mais de 40 anos, casada, que resolve fazer análise, Martha estreou na ficção. O livro foi adaptado para o teatro, um monólogo com a atriz Lília Cabral. O resultado agradou a autora. "Quando a gente escreve, é proprietária do texto. No teatro, ele passa por uma equipe de profissionais e suas sensibilidades, e ficou divertidíssimo. Lília dá um show e a direção do espetáculo é leve."

No ano passado, saiu o romance Telma e Sinatra (Objetiva), sobre duas mulheres com visões diferentes do mundo. A personagem Guta, de 41 anos, jornalista, decide escrever a biografia de Selma, e acredita ter encontrado a grande chance de sua vida. Selma, em torno de 70 anos, cantora que marcou época, certamente terá muito o que contar. Mas os primeiros encontros são bem menos promissores do que Guta havia imaginado. "Selma teve uma infância e uma carreira maravilhosas, vida absolutamente comum e feliz, pano de fundo que leva a refletir sobre o que vale mais, uma vida sossegada ou com passagens bombásticas.’

De cara lavada

Martha Medeiros

Hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos
o quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos
a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos
a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos
aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos
coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos