Crise não abala força da MITsp

A 3ª edição seria para a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo o momento da maturidade. Passados os tropeços de organização em seu primeiro ano, o festival se aprimorou em 2015. Trouxe uma programação mais consistente, cresceu em público, firmou-se no calendário cultural da cidade. Este estava destinado a ser, portanto, o ano para que o projeto de Antônio Araújo e Guilherme Marques alcançasse tudo aquilo que ambicionara em seu nascedouro. Mas a crise econômica se impôs e 2016 tornou-se o momento de adequar os sonhos à realidade.

Para realizar a mostra, que ocorreu entre 4 e 13 de março, muitos ajustes precisaram ser feitos. As promessas de importantes patrocínios caíram por terra. O orçamento captado, cerca de R$ 3,4 milhões, viu seu poder de fogo ser fortemente afetado pelas oscilações no câmbio do euro e do dólar. E a proposta inicial, de reunir 15 espetáculos estrangeiros e seis nacionais, tornou-se, então, um compacto conjunto de dez títulos (oito estrangeiros e duas estreias brasileiras).

Mesmo premida pelo real – duro para o País e especialmente devastador para o setor das artes – a jovem MITsp firma-se como o maior festival do gênero no Brasil. Sua data para 2017 ainda não foi anunciada. Não faltam, contudo, motivos para crer em sua sobrevivência. O evento persistiu em seu ímpeto pedagógico, foi acompanhado por cerca de 21 mil pessoas, e revelou ao público algumas criações fundamentais no cenário internacional.

Puderam ser vistos espetáculos de nítida simplicidade técnica, caso de An Old Monk, vindo da Bélgica, e de A Carga, obra do bailarino congolês Faustin Linyekula. Um despojamento de meios que não resultou, necessariamente, em criações menores. Em An Old Monk, Josse De Pauw ganha a companhia de um trio de jazz para mirar, subversivamente, a fragilidade do corpo e as limitações da velhice. Da mesma maneira, a despretensão de A Carga se traduz em preciosa sensibilidade. Sem escamotear o ímpeto político, Linyekula sublinha sua origem, o vínculo com o intricado cenário social de seu país natal. Mas não deixa, em nenhum momento, que o social se sobreponha à sua voz individual.

As obras de proporções modestas se fizeram acompanhar pelas montagens de grande vulto que comumente merecem espaço na mostra. Dois dos mais importantes encenadores em atividade hoje na Europa, Joël Pommerat e Krzysztof Warlikowski estrearam por aqui.

Pommerat compareceu com dois títulos: Cinderela e Ça Ira. Na primeira, questiona a própria natureza das narrativas, implodindo o tradicional conto de fadas, e transformando a personagem título em uma neurótica atravessada pela culpa. Em Ça Ira, a política não é mero subtexto. Inspirada no processo revolucionário da França em 1789, mas capaz de ecoar, com espantosa propriedade, os desdobramentos da aguda crise política brasileira atual.

Na edição de 2015, um nítido viés – o olhar para zonas de conflitos – alinhavava a programação. Agora, essa costura é mais solta. Permanece, porém, o intento de contemplar desafios e problemáticas políticas da contemporaneidade. Ímpeto que passa por questões raciais (caso de Cidade Vodu, da Cia Teatro de Narradores, e de Revolting Music, show que recorda as canções de protesto do apartheid), mas pode assumir aspecto bem menos literal.

A beleza extrema de Still Life quase lhe dá feições de pura fruição estética. Mas não há escapismo aqui. Nesse título, o grego Dimitris Papaioannou aproxima o mito de Sísifo do esforço repetitivo e sem sentido do trabalho no contexto do capitalismo global.

Por trilha semelhante segue (A) Polônia. Na mais contundente obra dessa 3ª edição, a plateia viu o esforço de Warlikowski para entender o que se passou na Polônia e na Europa no pós-guerra. Mas pôde presenciar também algum tipo de mágica. O inexplicável mistério que distancia o sublime de criações igualmente belas e bem-intencionadas.

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